Por Arthur Virgílio*
O ex-presidente Lula perdeu os limites e a noção de escrúpulos. Seus oito anos de governo registram méritos na condução da economia (primeiro mandato, até a demissão de Antônio Palocci, sobretudo) e na aplicação de políticas sociais, prosseguindo e ampliando as linhas que herdou de Fernando Henrique. Mas anotam também irreparáveis deslizes éticos, a começar pelo mensalão e a concluir pela vulgarização das instituições republicanas.
À medida em que se fortalecia popularmente, favorecido pelo país organizado que recebeu e pela conjuntura econômica internacional benigna, crescia igualmente em arrogância, perdendo o contato com a humildade. Incensado por incontáveis áulicos, tomou a si próprio como um semi-Deus, infalível, senhor das verdades universais.
Claro que seu governo não inventou a corrupção. Seu período de mando, todavia, permitiu que ela se tornasse endêmica e sistêmica.
Aproximou-se dos piores elementos da política brasileira, sempre disposto a lhes “conceder”, publicamente, “anistia” e “perdão”, como se fosse, ao mesmo tempo, o executivo, o legislativo e o judiciário. Como se fosse monarca absolutista, a intimidar opositores e submeter “súditos”.
Prometeu não se intrometer nas decisões do governo de sua afilhada Dilma Rousseff, porém não faz outra coisa. Não consegue desencarnar do poder que não mais pode exercer. Por sinal, aceitava os elogios de Collor e Sarney e detestava as críticas de Itamar e Fernando Henrique. Em miúdos: ex-presidente só deveria falar se fosse para apoia-lo.
A cada dia, apequena sua imagem e seu legado. O desastre maior e mais recente foi o pedido indecoroso que fez ao ministro Gilmar Mendes, no sentido de que buscasse adiar o julgamento do mensalão. Mais: em evidente chantagem, ofereceu “proteção” na CPMI do Cachoeira (que alegou “controlar) a esse magistrado, que reagiu com o destemor dos que nada devem.
De uma só vez, ofendeu a soberania do Parlamento e da Suprema Corte. Expôs o ministro Ricardo Lewandowiski, como se fosse ele mero subordinado seu. Chamou o ministro Joaquim Barbosa de “complexado”. Declarou que iria “conversar” com o ministro Ayres de Brito. Diminuiu o ministro Dias Toffoli, alegando que o pressionaria a não se considerar impedido de julgar o mensalão. Destratou o ex-ministro Sepúlveda Pertence e a ministra Carmen Lucia, anunciando que “mandaria” o primeiro “segurar” a segunda. Inaceitável.
O tiro saiu pela culatra. Tentava blindar a Delta Construções na CPMI, por se tratar da empreiteira que seu governo mais brindou com obras do PAC. Pois nem seus aliados conseguiram impedir a quebra, em nível nacional, dos sigilos telefônico, fiscal e bancário dessa empresa.
Abriu a guarda desabridamente para proteger os mensaleiros. Pois agora é que ficou mesmo irreversível que o julgamento comece em agosto.
O Brasil é democracia sólida. Lula está aprendendo isso na prática.
*Diplomata, foi líder do PSDB no Senado.
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