Em seu programa Acerto de Contas, o grande comunicador Geraldo Freire levou a debate a questão da tributação das grandes fortunas. Seguem elementos para refletir sobre o tema. A desigualdade e a pobreza continuam a ser o maior atestado do fracasso civilizatório do homo sapiens. Ninguém desconhece que a solução para o problema é o desenvolvimento. Mas não se trata de qualquer desenvolvimento. É preciso que ele se assente em bases de sustentabilidade social e ambiental. Isso passa por políticas de justiça social, inclusive a tributária, que reduzam as desigualdades.
Um olhar sobre os bilionários e os deserdados do planeta dá-nos uma ideia sobre a dimensão das desigualdades. Quem são os dez maiores bilionários do planeta? 1. Bernard Arnault, patrimônio líquido de US$ 233 bilhões, LVMH (Louis Vuitton, Christian Dior, Moet & Chandon, Sephora e Tiffany); 2. Elon Musk, 195 bi, Tesla, SpaceX, X; 3. Jeff Bezos, 194 bi, Amazon; 4. Mark Zuckerberg, 177 bi, Facebook, agora Meta; 5. Larry Ellison, 141 bi, Oracle; 6. Warren Buffett, 133 bi, Berkshire Hathaway; 7. Bill Gates, 128 bi, Microsoft; 8. Steve Ballmer, 121 bi, Microsoft; 9. Mukesh Ambani, 116 bi, Reliance Industries (petróleo, telecom e finanças); 10. Larry Page, US$ 114 bi, Google. São 2.781 os bilionários do mundo, sendo 813 dos EUA, 473 da China e 200 da Índia. Somam um patrimônio agregado de US$ 14,2 trilhões (7 vezes o PIB do Brasil, que em 2023 foi de cerca de US$ 2,1 trilhões). No Brasil, 69 pessoas têm patrimônio superior a 1 bilhão de dólares.
E quantos são os pobres no mundo? Vivem em extrema pobreza (abaixo da linha estimada pelo Banco Mundial em US$ 2,15 por dia) mais de 1 bilhão de seres humanos. No Brasil, 7,5 milhões. Nos EUA, 825 mil. Na China, 1,56 milhão. A essas pessoas são negados os direitos fundamentais de moradia, segurança alimentar, eletricidade, saneamento, saúde e educação básica de qualidade.
Nos EUA, o presidente Biden propõe instituir a tributação de 25% sobre os patrimônios pessoais superiores a US$ 100 milhões, mesmo que os ganhos de capital não sejam realizados através da venda. Estima-se que, em 10 anos, os EUA arrecadarão US$ 500 bilhões a serem investidos em programas sociais. Lá os super-ricos conseguem deixar de pagar impostos sobre os ganhos de capital e sobre a renda através de estratégia conhecida como “buy, borrow, die” (comprar, tomar emprestado e morrer). Eles optam por não receber qualquer renda de suas empresas para não pagar imposto de renda sobre esses ganhos. E, para não pagar imposto sobre os ganhos de capital na venda de seus bens, eles não os vendem. Ao invés, tomam dinheiro emprestado nos bancos a taxas de juros bem mais baixas do que as que pagariam em tributos. Os bancos emprestam porque esses ativos são dados em garantia (collateral securities). Em vida, as pessoas renovam várias vezes esses empréstimos. Vivem luxuosamente com os recursos tomados em empréstimos.
Quando morrem, os valores desses ativos são atualizados sem que os herdeiros precisem pagar imposto de renda sobre o ganho de capital decorrente da atualização dos valores. A lei atual não permite a tributação desses chamados “ganhos não realizados”. A proposta de Biden pretende fechar essa brecha e tributar a valorização desses ativos, sejam imóveis ou valores mobiliários (ações, títulos e quotas), mesmo sem que a valorização seja realizada pela venda ou amortização. A justificativa é a de eliminar a brecha tributária que permite aos super-ricos deixar de pagar impostos sobre ganhos de valorização de seus bens que foram obtidos sem terem sido tributados.
No Brasil, o presidente Lula tem enfrentado problemas similares. As renúncias fiscais hoje chegam a R$ 524 bilhões, cerca de 4,5% do PIB brasileiro. Aqui também os super-ricos encontram estratégias para pagar proporcionalmente menos impostos do que os assalariados. Por sua iniciativa, o Congresso acaba de aprovar a Lei nº 14.754/23, regulada pela IN 2.180/2024, que passa a tributar os fundos exclusivos e os fundos “off shore”. Antes, esses fundos de alta renda só eram tributados quando seus proprietários realizavam seus lucros por ocasião do resgate. Isso podia demorar ou nunca acontecer. Com a nova lei, esses fundos exclusivos passarão a ser taxados semestralmente, no sistema chamado de “come-cotas”, e os offshores, uma vez por ano.
Essas duas medidas dos presidentes Biden e Lula representam gotas no oceano. Mas vão na direção de uma maior justiça tributária. Servem de exemplo sobre o que os países podem fazer para que os super-ricos contribuam mais para o financiamento de políticas redutoras das desigualdades e da pobreza. Certamente esses recursos não vão fazer falta a qualquer deles. A partir de um certo patamar, nenhum centavo a mais faz diferença para o bem-estar de quem quer que seja. Nem vão desestimular seu tino empreendedor. Mas poderão viabilizar a redução da tributação aos assalariados. Medidas como essas atingirão apenas a vaidade da ostentação de suas fortunas na lista de bilionários da Forbes. Maurício Rands é advogado, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford
Deixe um comentário