O coronavírus segue sua viagem matando centenas de milhares de pessoas em todo o mundo. O gráfico que representa a expansão da doença no Brasil traz uma curva em meia lua, com uma das extremidades apontando para o céu. Epidemiologistas e estatísticos alertam que a situação está longe de ficar sob controle. Muita gente ainda vai adoecer e morrer porque o novo vírus está nas ruas, pulando de pessoa pra pessoa a cada aperto de mão, cada abraço e até a cada encontrão acidental.
O pico ou topo é o momento no qual se contabiliza o maior número de casos em um único dia. Pode acontecer de, em seguida, haver certa estabilidade, com as ocorrências se situando por algum tempo no mesmo patamar ou platô. A partir deste ponto, começa o declínio. Quando um país ou região alcança o topo, verifica-se aquilo que nas redações chamamos de péssima boa notícia. Ou de ótima má notícia, como queira o freguês. Nos Estados Unidos o ponto mais alto foi alcançado no último dia 15/4, com 2.688 mortes/dia. Desde então, se verifica uma desacelaração. O número de casos, que chegou a duplicar a cada três dias, neste sábado (25/4) sinalizava redução contínua.
“Constatar a desaceleração alivia, mas não é motivo para comemoração”, diz o governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo.De fato, as 52 mil mortes contabilizadas nos EUA até agora configuram uma realidade assustadora: o número de vidas consumidas pela Covid19 está perto de suplantar as mortes registradas na Guerra do Vietnã, tão traumática na experiência norte americana. Registre-se que a guerra precisou de 20 anos (1955 a 1975) para dizimar 58 mil enviados pelo Tio Sam à Indochina, enquanto a Covid19 matará a mesma quantidade de pessoas em cerca de 90 dias…
Quando teremos o nosso pico?Quando poderemos suspirar, ligeiramente aliviados, enquanto choramos nossos mortos? Segundo o infectologista Luiz Cláudio Arraes, isso só deverá acontecer por volta de 15 de maio. Considerando que as redes hospitalares pública e privada já se encontram com a capacidade esgotada, precisamos nos preparar para um cenário extremamente doloroso. Com a percepção de que o número total de casos dobra a cada seis dias, chega-se à conclusão que teremos número de mortos no Brasil idêntico ao dos EUA, que trabalham com a projeção de 67 mil perdas de vidas humanas. Mais de 3.500 já partiram.
“É muita coisa, uma tragédia imensa, agravada por não termos conseguido implementar plenamente a política de isolamento social recomendada pela OMS”, diz Luiz Arraes. “Todo o esforço dos governos estaduais e prefeitos de capitais, como Paulo Câmara e Geraldo Julio, foi torpedeado por iniciativas do presidente Jair Bolsonaro, como a abertura das casas lotéricas e agências da Caixa Econômica Federal. Com toda certeza, esta atitude provocou muitas mortes que poderiam perfeitamente ser evitadas”, diz.
MORTOS COM ROSTO – Neste sábado, o Brasil se despede do grande colecionador de artes pernambucano Ricardo Brennand. Em meio a tanta estatística e a tantos números que mais escondem do que revelam sobre as pessoas vitimadas pela pandemia, o rosto simpático de Ricardo Brennand se torna símbolo, uma representação das perdas humanas que sofremos.
Ele viveu 92 anos e dedicou grande parte de sua existência a uma obra monumental – o Instituto Ricardo Brennand, espécie de museu plural, um tanto dedicado às artes, outro a uma coleção de objetos extremamente diversificada, que vai de armas e livros a panfletos, periódicos, partituras, discos, fotografias, álbuns iconográficos etc.
Os quadros do holandês Frans Post, que retratam Pernambuco durante o governo de Mauricio de Nassau, fazem do Instituto um dos melhores museus do mundo e um lugar visitado por estudiosos e amadores os 365 dias do ano.
A partida de Ricardo Brennand é uma perda sem tamanho. Sem ele, o Recife não será o mesmo. O consolo é que sua paixão pela cultura e sua generosa disposição para juntar coisas bonitas e compartilhá-las deixaram, no bairro da Várzea, um espaço onde sempre poderemos admirar e aplaudir sua trajetória.
Todas as vidas perdidas em uma calamidade como esta desfalcam a cidade, o país, o planeta… Como ensinou Gonzaguinha, “Toda pessoa sempre é as marcas /Das lições diárias de outras tantas pessoas”.
Evaldo Costa
Jornalista