Em minha última manifestação, de forma suscinta, disse que entendia – e continuo entendendo – não ser possível a formação de Federação Partidária para o ano de 2024, mais precisamente em anos de eleições municipais. Fui instando a me explicar melhor, e o faço no presente momento. Buscarei fazê-lo de forma mais didática possível para que não apenas os operadores do direito compreendam, mas sobretudo os dirigentes partidários. Inicio esclarecendo que quando me referido às eleições gerais, são aquelas para presidente, governador, senador, deputados federais e estaduais. Enquanto as eleições municipais são aquelas para escolha dos prefeitos e vereadores.
Em primeiro lugar, defendo que o instituto da Federação foi uma solução encontrada pelo legislador para “driblar” a vedação das coligações proporcionais e propiciar que partidos com dificuldade de atingir a chamada clausula de desempenho não desaparecessem do mapa político-partidário pátrio. Diria até que tal medida fora feita sob medida para atender ao PCdoB, partido quase moribundo, que ganhou sobrevida ao assumir o que sempre foi: um apêndice do Partido dos Trabalhadores (PT), ao lado outro quase defenestrado, o PV. Assim como o PSDB e o Cidadania (antigo PPS) e o PSOL e a Rede.
Teleologicamente (ou seja, o fim a ser obtido) com esse novo instituto era tão somente suplantar a cláusula de barreira ou de desempenho (método de diminuir a quantidade de partidos, impedindo que aqueles que não superem o referido desempenho tenham acesso a recursos públicos e propaganda gratuita em rádio e TV), que somente são aferidas nas eleições gerais com a eleição de deputados federais. Mas para a desculpa esfarrapada não se tão visível, criaram uma série de requisitos para a formação da Federação Partidária, através da Lei 14.208/2021. São elas: “Art. 11-A. Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária. I – a federação somente poderá ser integrada por partidos com registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral; II – os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados por, no mínimo, 4 (quatro) anos; III – a federação poderá ser constituída até a data final do período de realização das convenções partidárias; IV – a federação terá abrangência nacional e seu registro será encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral. Caso não cumpridas, serão sancionadas na seguinte forma: § 4º O descumprimento do disposto no inciso II do § 3º deste artigo acarretará ao partido vedação de ingressar em federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes e, até completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário.
Do ponto de vista legal, vejo claramente uma vedação às federações para eleições municipais. A primeira está no caput do artigo 11-a, acrescido à Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995). A necessidade de registro da Federação no TSE. Ora, órgão nacional de agremiação partidária tem legitimidade para postular perante o Tribunal Superior Eleitoral. Nem diretórios, nem comissões provisórias municipais ou estaduais detêm tal legitimidade. A segunda vem do inciso IV, que impõe que a federação terá abrangência nacional e seu registro será encaminhado ao TSE.
Mais adiante, seja alterando a já referida Lei de Partidos Políticos, seja alterando a Lei das Eleições (9.504/97), a Lei 14.208/2021 estabelece que as Federações devem ser constituídas antes das convenções partidárias, sobretudo para escolha de candidaturas majoritárias e proporcionais. Quem entende um pouco de técnica legislativa (domínio de redigir leis ou demais atos normativos) sabe que não existem expressões soltas ou desconectadas de uma finalidade. O legislador quis sim se referir às convenções partidárias para escolha de candidatos em eleições gerais, e não às eleições municipais. No exercício de hermenêutica jurídica, temos a aplicação dos princípios norteadores da teleologia e a finalidade da lei. Não há período solto, ou uma interpretação extensiva ou mais ampla possível que o legislador quis dizer que a Federação pode se dar a qualquer tempo, desde que seja antes da convenção partidária, seja no ano em que a mesma possa ocorrer, seja ano anterior, seja até mesmo no ano das eleições gerais após as realizações delas. Esse entendimento extremamente contorcionista admitiria, por exemplo, que em novembro ou em dezembro de 2022, poderiam ter sido formadas federações. Como diria o poeta das borboletas, o Ministro Aposentado Ayres Brito, seria um salto triplo carpado interpretativo.
O outro ponto de vista que proponho é o da utilidade. Qual o sentido de agremiações partidárias formarem federação nesse momento ou em qualquer outro que não sejam o das eleições gerais? Qual vantagem? Soma do tempo de propaganda eleitoral para os proporcionais? Não há mais propaganda em rádio e TV para os vereadores, salvo as inserções, o ganho seria ínfimo. Somar recursos do fundo partidário e fundo eleitoral? Se é certo que todo dia um tolo sai de casa para se encontrar com um vigarista, em que pese não haver tolos em política, existem uns mais “sabidos” dos que outros. Quem iria abrir mão de recursos para auxiliar outros candidatos? Não há qualquer sentido ou vantagem em formar federação no ano vindouro. Seria engessar as agremiações nas eleições gerais de 2026. Dois anos no tempo da política é quase uma eternidade. Quem está disposto a renunciar às negociações e alianças com tamanha antecedência? Lembremos que, com a abrangência nacional, a Federação se imporá sobre os mais de 5.500 municípios do nosso País. Abacaxi já para ser descascado pelos dirigentes que formaram Federação em 2022.
Mas pode haver partidos que queiram compartilhar uma identidade de causas, pautas semelhantes ou assuntos convergentes. Para isso, existe a figura da formação do Bloco Parlamentar no Congresso Nacional. Lembrando sempre que não existe legalmente no direito político pátrio partidos regionais. Todos são de abrangência nacional. Fica a dica. Essa conversa de formar Federação para as eleições do ano que vem é conversa de sabido para trouxa. Para melhor compreensão, recomendo a leitura do texto a seguir:
Inclusive nas minutas das resoluções do TSE que foram publicadas e estão abertas as sugestões desde o dia 04/01/2024, no site do TSE, as referencias que se faz às Federações são as que já foram constituídas, e é silente em relação as novas.
Por fim, deixo claro que essa é minha opinião, de quem modestamente atua em direito eleitoral por mais de duas décadas e professor de Direito Constitucional por semelhante período. E como tal, estou ciente de que tanto o TSE como o próprio STF não mais possuem qualquer preocupação com a segurança jurídica, e sim amoldam a interpretação das leis e da própria Carta Magna a seus entendimentos pessoais, ideológicos e subjetivos. Além de, sem o menor pudor ou constrangimento, legislarem ao arrepio do artigo 2º da CRFB/88. Gostaria de acreditar que ainda vivemos num Estado Democrático de Direito, mas estou cada vez mais cético quanto a isso, então não se surpreendam se do nada, ou a pedidos (como quando o ministro Roberto Barroso justificou para esticar o prazo para registro de Federações numa canetada em 2022), mudar tudo e flexibilizarem, por resolução do TSE, tudo novamente. Cabe a mim apenas me posicionar e apresentar meu ponto de vista.
Bruno Brennand
Advogado com atuação em direito eleitoral desde 1998 e Professor Universitário
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