
A função fiscalizatória é uma atribuição essencial dos parlamentares brasileiros, fundamental para assegurar a transparência e a eficiência na administração pública. Contudo, o exercício dessa prerrogativa deve estar alinhado aos preceitos constitucionais e legais, respeitando os limites impostos pela separação dos poderes e os direitos fundamentais dos cidadãos.
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 2º, a independência e harmonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa divisão busca evitar a concentração de poder e promover um sistema de freios e contrapesos, garantindo que cada poder exerça suas funções sem interferências indevidas dos demais.
No contexto da fiscalização parlamentar, isso implica que, embora os legisladores tenham o dever de supervisionar as ações do Executivo, devem fazê-lo sem ultrapassar os limites de sua competência ou comprometer a autonomia dos outros poderes.
No Rio de Janeiro, a Emenda Constitucional nº 74/2019, que autorizava deputados estaduais a realizarem fiscalizações individuais, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça, com base no princípio da colegialidade. De modo semelhante, em São Paulo, o TJ-SP invalidou a Lei nº 2.442/2015 de Votorantim em ação proposta pelo Ministério Público, por violar a necessidade de critérios objetivos na fiscalização.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também tem se posicionado sobre a atuação dos parlamentares em fiscalizações. Em Tamandaré, o órgão recomendou que vereadores se abstivessem de ingressar, sem comunicação prévia e agendamento, em unidades de saúde sob o argumento de fiscalizá-las, visando evitar prejuízos ao funcionamento dos serviços públicos. Além disso, no município de Pedra mediou um Termo de Ajustamento de Conduta entre a prefeitura e os vereadores para assegurar que as fiscalizações ocorressem sem comprometer o andamento dos serviços nas unidades de saúde e educação.
A separação dos poderes, conforme delineada por Montesquieu em “O Espírito das Leis”, fundamenta a estrutura do Estado brasileiro, dividindo-o em três funções essenciais: Legislativa, Executiva e Judiciária. Essa divisão objetiva prevenir a concentração de poder e assegurar a liberdade dos indivíduos. No Brasil, esse princípio é complementado pelo sistema de freios e contrapesos, onde cada poder possui mecanismos para controlar e equilibrar as ações dos outros, promovendo um governo mais justo e equilibrado.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também se manifestou sobre os limites da fiscalização parlamentar individual. Em decisão recente, o STF considerou inconstitucional norma estadual que conferia a parlamentares, individualmente, o poder de requisitar informações ao Executivo, enfatizando que tal atribuição deve ser exercida de forma colegiada, respeitando o princípio da separação dos poderes.
Em casos de excesso, os parlamentares podem ser responsabilizados por meio de processos por quebra de decoro parlamentar (Lei Complementar nº 64/90) ou por abuso de poder, além de estarem sujeitos a medidas judiciais, como mandados de segurança contra requisições abusivas, como já pontuado em decisões do STF.
Em síntese, a fiscalização parlamentar é vital para a democracia e para a transparência na gestão pública. No entanto, seu exercício deve ser pautado pelo respeito às normas constitucionais, aos limites legais e à separação dos poderes, garantindo que a atuação dos legisladores contribua efetivamente para o fortalecimento das instituições democráticas sem comprometer a autonomia e o funcionamento dos demais poderes.
Leonardo Cruz, advogado, Especialista em Gestão Pública (UPE); e Governança Corporativa, Risco e Conformidade (UFPE). E-mail: [email protected]
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