Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Cartões de Crédito, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) apresentou, nesta quarta-feira (4), relatório à CPI com “fortes recomendações” aos órgãos reguladores do sistema financeiro; principalmente, ao Banco Central (Bacen). Resultado de informações e sugestões colhidas durante cinco audiências públicas com cerca de 30 representantes de consumidores, lojistas, bancos privados e públicos, operadoras de crédito e órgãos do governo, o parecer de Fernando Bezerra detalha três amplos grupos de medidas que deverão ser implementadas, em um prazo de seis meses, pelo Bacen e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
“Com as audiências realizadas pela CPI (instalada em 17 de abril), identificamos um consenso: é preciso aprimorar determinadas normas neste complexo setor para se ampliar a concorrência, fundamental à redução dos juros do cartão de crédito e do cheque especial”, destacou o relator. “As taxas destes dois produtos são exorbitantes, abusivas, na média de 400% ao ano, podendo chegar até 1.000% ao ano, conforme ficou comprovado durante os debates”, acrescentou.
Na reunião deliberativa de hoje da comissão, presidida pelo senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), Fernando Bezerra detalhou as três categorias de recomendações do colegiado: enfrentar a chamada “verticalização” do mercado (quando um mesmo conglomerado financeiro – geralmente, grandes bancos – controlam toda a cadeia do crédito), investir na educação financeira dos brasileiros e melhorar o ambiente institucional para a redução do custo e dos riscos do crédito no país; inclusive, por meio de projetos de lei que a CPI apresentará ao Congresso Nacional.
Entre as principais medidas direcionadas ao Bacen e ao Cade, Fernando Bezerra Coelho destacou:
ü Alterar, a exemplo do que fazem os Estados Unidos e diversos países da Europa, a forma de cobrança do cheque especial (passando do atual percentual sobre o saldo negativo para uma combinação de tarifa fixa destinada à cobertura dos custos de operação mais juros menores). A lógica desta medida é desestimular o uso habitual do cheque especial, que deve ser utilizado como recurso emergencial;
ü Cobrança de uma combinação de tarifa fixa e juros no crédito rotativo (também passando do atual percentual sobre o saldo negativo para uma combinação de tarifa fixa destinada à cobertura dos custos de operação mais juros menores). A lógica desta medida também é desestimular o uso habitual do cartão de crédito rotativo;
ü Antecipação do prazo de pagamento para os lojistas; atualmente, em D + 30 (30 dias). O novo prazo será consolidado entre os parlamentares que integram a CPI;
ü Solicitar que o Banco Central e o Cade enfrentem a “desverticalização” do sistema ao mesmo tempo em que sejam valorizadas as bandeiras nacionais de crédito;
ü Imposição de limites para as travas bancárias (mecanismo pelo qual o banco impede que um recebível possa ser livremente negociado no mercado). A proposta é limitar esta trava ao valor financiado);
ü Incentivar os pagamentos eletrônicos instantâneos (como transferências e depósitos online e boleto eletrônico) e alterar a forma de tarifação (dos lojistas) na função débito (venda à vista sem riscos nem para o comerciante nem para o sistema financeiro). A proposta é que esta tarifação passe a ser um valor fixo ou tarifas fixas escalonadas (por intervalos de valores comercializados) em vez da atual proporção do valor transacionado;
ü Fomentar um novo produto denominado “crediário”;
ü Regulamentar investimentos em educação financeira (com diretrizes estabelecidas pelo Bacen);
ü Obrigar que seja informado, na fatura do cartão de crédito, o custo monetário (e não somente as taxas) que o consumidor incorrerá se pagar o valor mínimo da fatura até quitar a dívida;
ü Simplificar e criar instrumentos para a utilização de garantias no acesso ao crédito por meio do chamado “contrato guarda-chuva” (uso de investimentos que o cliente tem no banco como garantia para a tomada de crédito);
ü Apoio para a celeridade de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que contribuem para o aperfeiçoamento do mercado de crédito, como:
- O projeto de lei que aprova o Cadastro Positivo e valoriza o “bom pagador” (em tramitação na Câmara dos Deputados)
- O projeto de lei de Recuperação Judicial e Falência (em tramitação na Câmara dos Deputados)
- O PLS 243/2014, que permite a contratação de operações financeiras por meios eletrônicos/remotos
- O Projeto de Lei 5.900/2016, que reduz a litigiosidade bancária (em tramitação na Câmara dos Deputados)
EDUCAÇÃO FINANCEIRA – Além dos encaminhamentos e recomendações aos órgãos reguladores, a CPI apresentará três projetos de lei ao Congresso Nacional. Um deles terá o objetivo de criar títulos de crédito (para os comerciantes) a partir dos recebíveis. Outra proposta legislativa irá obrigar bancos e estabelecimentos comerciais a investirem parte do faturamento em ações de educação financeira, dando maior transparência sobre os juros cobrados por meio de orientações claras e didáticas aos consumidores.
As informações deverão constar de cartazes, faturas, sites, aplicativos e outros produtos de comunicação que alertem sobre os riscos de se endividar com o cheque especial ou o cartão de crédito. “Acreditamos que dizer, por exemplo, que o consumidor está pagando 400% ao ano informa muito menos do que esclarecer claramente que, aplicada esta taxa de juros, uma compra no valor de R$ 100 se transformará em uma dívida de R$ 1.654 paga em 24 meses”, observou Fernando Bezerra. “Como ocorre nas vendas de cigarro e bebidas alcoólicas, é preciso deixar claro que cartão de crédito e cheque especial são caros e podem fazer mal à saúde financeira”, completou o vice-líder do governo no Senado.
PROPAGANDA ENGANOSA – O terceiro projeto de lei da CPI proibirá publicidade que faça referência ao dito “parcelado sem juros”. “Sabemos que isto não existe, é uma mentira, um engano ao consumidor”, ressaltou Bezerra Coelho.
Desde abril, a CPI realizou cinco audiências públicas com a participação de todos os segmentos envolvidos. Entre eles, o SPC Brasil; a União Nacional das Entidades de Comércio e Serviço (Unecs); o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec); a Associação Brasileira de Empresas de Cartões de Crédito (Abecs); a Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD); a Federação Brasileira de Bancos (Febraban); representantes dos cinco maiores bancos públicos e privados (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú/Unibanco e Santander); o Bacen; o Cade e o Ministério da Fazenda. A votação do relatório de Fernando Bezerra será marcada para a próxima quarta-feira (11), no Senado.
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