Acredito que muitos devem hoje não só a solidariedade para a família, amigos e fãs de Gabriel Diniz, morto ontem, 27, num acidente aéreo que também vitimou os dois pilotos em Sergipe. Devem, acima de tudo, um pedido de desculpas.
Falo de quem aproveitou essa tragédia de um artista jovem, com um público essencialmente jovem, para quem a morte é algo, muitas vezes, distante, para compartilhar fotos de seu corpo morto em um manguezal.
A relação com o registro da morte e dos mortos é algo que sempre nos acompanhou. Exemplos não faltam, desde as efígies, as múmias, os retratos dos mortos. Na Inglaterra, durante a Era Vitoriana, por exemplo, era comum a fotografia de pessoas já falecidas, algumas delas junto à própria família, como uma forma de homenagear quem se foi e lidar com a perda.
Longe de propor um debate simplista sobre essa questão tão complexa e sua relação com fatores psicológicos e históricos em cada contexto social, o que essa tragédia nos mostra mais uma vez, e também nos choca tanto quanto a imprevisibilidade que marca qualquer evento como esse, é a divulgação e as razões desta divulgação em redes sociais e WhatsApp.
Logo assim que as primeiras notícias chegaram com a possibilidade e depois com a confirmação da morte do cantor diversas fotos com imagens do seu corpo invadiram inúmeros grupos de WhatsApp. Protegidos por uma rede social personalizada, não a tal praça pública que caracteriza o Facebook e Instagram, soube de algumas pessoas que chegaram mesmo a dizer expressões como “em primeira mão”, “fotos exclusivas” ou até mesmo um “consegui gente”.
Até que ponto chegamos para sermos “os primeiros” e supostamente “bem informados”? Em nome do quê? Se o morto é alguém famoso, maior será a repercussão de fotos como essas, maior será a “influência” de quem as repassou. Será que é isso que move essas pessoas? O que uma foto tão triste e assustadora como a de um corpo machucado e morto de alguém que até poucas horas atrás estava vivo pode certificar o quê? O que colabora para um momento de dor como esse a imagem viva de uma pessoa morta?
Agora se tudo isso não bastasse como argumentos tão óbvios de uma prática tão questionável nesta busca cada vez mais desenfreada por visibilidade, ainda um aviso aos desavisados de plantão: compartilhar imagens de pessoas mortas pode ser enquadrado em crime de vilipêndio a cadáver, como expresso no artigo 112 do Código Penal. A pena é de detenção de um a três anos e multa.
Por isso, o pedido de desculpas talvez seja um começo, mas ainda é muito pouco. É preciso discutir esse assunto, questionar o compartilhamento nos grupos em que participamos. É preciso também culpabilizar envolvidos.
O problema está cada vez menos no meio e cada vez mais no uso que fazemos dele. Neste caso, sobretudo, do nosso senso de humanidade, algo tão precioso em dias como esses.
De empatia também.
Daniella Brito é jornalista, mestre em Sociologia, assessora de imprensa e uma das especialistas convidadas para o Painel Comunica, projeto comandado por esse blogueiro e que debate comunicação e política
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