Por Delmiro Campos e Guilherme Gonçalves.
No início do mês, no dia 03, o Presidente do Congresso Nacional, Senador Davi Alcolumbre, promulgou a Emenda Constitucional n. 107, decorrente da PEC 18/2020, que adia as eleiçõesmunicipais de 04 de outubro para 15 de novembro deste ano. Como em qualquer modificação legislativa dessa magnitude, muitos são os questionamentos em torno dessa alteração.
Adiadas as eleições, o debate foi fixado em torno dos seus reflexos e impactos no calendário eleitoral e, por consequência, dos atos de pré-campanha e dos preparatórios ao processo eleitoral em si, como registro de candidaturas, início dapropaganda eleitoral e prestação de contas.
A pandemia do COVID-19, mesmo diante da Emenda 107/2020, ainda não foi suficiente para a eliminação das incertezas, mesmo com esse enfrentamento constitucional. Afinal, por conta da instabilidade e de situações de grave emergência que ainda podem ser causadas pela pandemia, caso algum município ou estado não apresente condições sanitárias para realizar as eleições em novembro, o Congresso Nacional, a pedido da Justiça Eleitoral, poderá editar decretos legislativos designando novas datas para a realização do pleito, desde que se respeite a data máxima do dia 27 de dezembro de2020, em nítida proibição a eventuais prorrogações de mandatos.
Sobre os prazos de desincompatibilização, restou inserida a seguinte regra: a) os ainda não expirados na data da promulgação passam a ter como referência a nova data do pleito; os já até ali já transcorridos (por exemplo, desincompatibilização de 4 e 6 meses), não se reabrirão mais. Na prática, os servidores abrangidos na regra prevista art. 1º, inc. II, alínea “l” da Lei Complementar 64/90 terão até 14 de agosto para requerer sua desincompatibilização. (Art. 1º, §3º, inc. IV, alínea “a” da EC); b) mantendo-se encerrados (preclusos) os demais prazos, inclusive e sobretudo para desincompatibilização, que já tiverem expirado na data da promulgação da Emenda Constitucional (Art. 1º, §3º, inc. IV, alínea “b” da EC).
Tema de grande repercussão paras as gestões públicas municipais, os gastos liquidados com publicidade institucional realizada até 15 deagosto de 2020 não poderão exceder a média dos gastos dos dois primeiros quadrimestres dos três últimos anos que antecedem ao pleito. Isso tem significativo impacto; afinal, os atuais gestores poderão gastar com publicidade institucional, até 15 de agosto de 2020, um valor que leva em conta oito meses de gastos anteriores. Com isso, a média de gastos deixa de ser a do primeiro semestre dos anos anteriores e passa a ser a dos dois primeirosquadrimestres desse mesmo período (Art. 1º, §3º, inc. VII) da EC.
De todo o modo, a partir de 15 de agosto, fica vedada a veiculação de qualquer publicidade institucional pelas Prefeituras (alínea “b” do inc. VI do art. 73 da Lei 9.504/97) com exceção dos casos de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida e previamente autorizada pela Justiça Eleitoral, salvo para combate à pandemia da Covid-19. Assim, a Emenda permite veiculação de publicidade institucional municipal a partir de 15 de agosto sem necessidade de autorização prévia da Justiça Eleitoral, desde que estritamente destinada ao combate à pandemia da Covid-19 e à orientação da população quanto a serviços públicos e a outros temas afetados pela pandemia.
Ou seja, a EC 107/2020 cria uma terceira exceção à vedação de realização de publicidade institucional no período dos três meses anteriores à eleição, visto que a Legislação eleitoral já permite, nos três meses que antecedem o pleito, apublicidade de estatais com concorrência no mercado e quando há autorização judicial prévia da Justiça Eleitoral em publicidade de utilidade pública.Portanto, o dispositivo dispensa a autorização prévia da Justiça Eleitoral, mas ressalta a possibilidade da apuração de eventual abuso de poder político (Art. 1º, §3º, inc. VIII).
Essa última novidade, prevista pelo inc. VIII do §3º do art. 1º da EC 107/2020 poderá causar bastante conflitualidade nas eleições, já que o dispositivo, apesar de autorizar essa forma excepcional de publicidade institucional para essa específica função de interesse público, é claro ao afirmar que os desvios de conduta poderão ser objeto de punição como abuso de poder político e dos meios de comunicação. Nesse aspecto, no uso dessa prerrogativa todo cuidado será pouco, especialmente para prefeitos candidatos à reeleição.Nesse ponto, a cautela é por demais necessária!
Para àqueles que estavam preocupados com eventuais mitigações aos atos de propaganda eleitoral, veio o reforço em termos de garantia constitucional no sentido de asseverar que não poderão ser limitados pela legislação municipal ou pela Justiça Eleitoral, à título de exercício de poder de polícia ou regulamentar, com fundamento na pandemia da COVID19, salvo se a decisão estiver fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional (Art. 1º,§3º, inc. VI). Assim se preserva um mínimo de estabilidade nas condições de disputa em todos os municípios, impedindo que o uso oportunista da pandemia se faça em detrimento da ampla liberdade de realização de propaganda eleitoral.
O adiamento das eleições nesse 2020 levou o Congresso Nacional a autorizar o Tribunal Superior Eleitoral a dispor, mediante resolução, de regras atinentes à recepção do voto, fiscalização, comparecimento dos eleitores e horário de funcionamento das seções eleitorais, em respeito às regras de distanciamento social (Art. 1º, §5º, inciso II).
Com o retorno das atividades do TSE programado para agosto, a expectativa fica em torno das novas resoluções, à exemplo do reconhecimento da legitimidade das convenções partidárias serem realizadas no formato digital através de plataformas virtuais e videoconferências.
Insta destacar parte da fala do Ministro do TSE Carlos Horbach no 1º Congresso Digital da Escola Superior da Advocacia Nacional vinculada ao Conselho Federal OAB, na tarde desta terça-feira (28/7) em mesa virtual que teve com o tema “Democracia: o grande teste das Eleições 2020”: “a necessidade de mudança por conta da epidemia fez condicionar direitos e valores para que houvesse uma adequação dentro das possibilidades.” O que ocorreu, em sua avaliação, foi uma otimização do processo eleitoral a partir das restrições geradas pela crise, com o que concordamos.
Nesse contexto temos na Emenda Constitucional n. 107/2020 e, via de consequência, no adiamento das eleições 2020, um precedente normativo que merece ser festejado e enaltecido, principalmente por consolidar e respeitar à democracia brasileira, sem descurar dos riscos próprios ao enfrentamento da pandemia do covid-19.
Delmiro Campos de Pernambuco e Guilherme Gonçalves do Paraná.
Advogados Eleitoralistas.
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