Por Maurício Romão*
Em recente artigo publicado na Folha de S.Paulo (08/05/13), intitulado “Por uma reforma política debatida nas ruas”, o presidente do PT, Rui Falcão, anunciou que a proposta de reforma política do partido já está nas ruas, em campanha nacional, buscando coletar 1,5 milhão de assinaturas que respaldem um projeto de lei de iniciativa popular.
Os pontos principais da proposta repousam em quatro pilares: (1) financiamento público de campanhas eleitorais; (2) sistema de lista fechada; (3) convocação de Assembléia Nacional Constituinte específica e (4) correção da sub-representação parlamentar de alguns estados na Câmara Federal.
É sobre este último ponto que o presente texto discorre.
O art. 45 da Carta Magna, no § 1º, reza, in verbis:
§ 1º – “O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados”.
Não pode passar despercebido neste parágrafo que a atual distribuição das bancadas dos estados na Câmara Federal não obedece à proporcionalidade completa, já que são impostos limites máximo e mínimo à representação parlamentar. Trata-se, portanto, de proporcionalidade apenas parcial.
A proporcionalidade geral só valeria então para o subconjunto de estados fora das restrições constitucionais. Essa injunção legal é criticada por interferir no princípio democrático universal de “um homem, um voto” (o voto tem o mesmo peso para cada pessoa) e, vez por outra, a sugestão de se eliminar a imposição dos limites estabelecidos na Constituição e de se adotar a proporcionalidade geral na representação parlamentar vem à tona, como agora, por iniciativa do PT:
“E ainda será possível corrigir uma distorção gritante no Congresso, onde há uma sub-representação de alguns Estados. Na democracia representativa, é preciso vigorar o princípio de uma pessoa, um voto”. Rui Falcão, no artigo mencionado.
Fazendo uso do Censo Populacional de 2010, e do Método das Maiores Médias que é empregado pelo Tribunal Superior Eleitoral para distribuir cadeiras no Parlamento de acordo com as populações dos estados, observa-se que se a sugestão petista prosperasse, com a adoção da proporcionalidade geral, o Estado de São Paulo teria 112 deputados, ao invés do limite máximo de 70.
Ao contrário do limite mínimo de oito parlamentares, os Estados de Roraima e Amapá ficariam com somente um deputado, o Estado do Acre teria dois, Tocantins três, Rondônia quatro, Sergipe cinco e o Distrito Federal sete.
A probabilidade de esta solução avançar no Parlamento é praticamente zero, por conta das drásticas modificações impressas em algumas bancadas. São Paulo, por exemplo, ficaria com mais de um quinto da Câmara, criando um desequilíbrio representativo de tal sorte que possibilitaria sua bancada ter força numérica suficiente para determinar resultados de votações em plenário.
Por outro lado, aos descontentes com a potência representativa a que São Paulo seria alçada, juntar-se-iam os estados que teriam suas bancadas reduzidas, a começar pelos mais penalizados, os cinco estados da região Norte, que perderiam nada menos que 29 parlamentares, em conjunto. O discurso defensivo desses estados nortistas se assentaria na quebra de equilíbrio regional e federativo que adviria de tal medida.
O grosso dos estados perderia assentos parlamentares [RO (4), AC (6), RR (7), AP (7), TO (5), PI (2), PB (2), PE (1), AL (1), SE (3), BA (1), ES (1), RJ (2), PR (2), RS (2), MS (2), GO (1) e DF (1)], e apenas os estados do Maranhão, Rio Grande do Norte e Mato Grosso não alterariam suas bancadas. Afora São Paulo (mais 42 vagas), somente cinco estados ganhariam vagas: [AM (1), PA (4), CE (1), MG (1) e SC (1)].
Conquanto restabeleça o desejável princípio o de “um homem, um voto”, e elimine as sub e sobre-representações, a sugestão de proporcionalidade completa abraçada pelo PT implica em um saldo deveras desbalanceado, onde aparecem bem mais perdedores do que ganhadores, o que inviabiliza seu acolhimento entre os deputados.
É oportuno mencionar que o trâmite de um projeto de lei de iniciativa popular no Congresso Nacional segue o rito de qualquer outro projeto semelhante apresentado pelos próprios parlamentares. Colher assinaturas na rua dá respaldo popular e imprime credibilidade à proposta, mas não lhe garante salvo conduto de aprovação. O item de correção da representação parlamentar exigiria, inclusive, emenda à Constituição.
Portanto, o item da proposta de reforma política petista que trata de substituir a sistemática atual de representação parlamentar pela adoção do princípio “um homem, um voto”, já tem morte anunciada!
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. [email protected] http://mauricioromao.blog.br.