São Paulo — As eleições municipais de 2024 terminaram com um gosto amargo para a esquerda em São Paulo. Além de perder na capital paulista, os progressistas também foram vencidos por candidatos conservadores na maioria das cidades do estado. Do Metrópoles.
Mesmo com a figura de Lula na presidência, o PT, por exemplo, sai do pleito com apenas quatro prefeituras, sendo só uma delas na Grande São Paulo: Mauá, onde o prefeito Marcelo Oliveira conseguiu a reeleição na disputa contra Atila Jacomussi (União Brasil).
A direita, por outro lado, abocanhou cidades como a capital São Paulo, com a vitória de Ricardo Nunes (MDB) sobre Guilherme Boulos (PSol), e Guarulhos, com Lucas Sanches (PL), terminando à frente de Elói Pietá (Solidariedade).
Para Cláudio Couto, cientista político e professor da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), o saldo da eleição no estado mostra que a esquerda precisa ter uma “DR” e se reinventar caso queira se manter nas disputas. “Tem que discutir por que está batendo tanta cabeça, por que não consegue dialogar com novos eleitores. Inclusive, fazer uma autocrítica daquilo que não reconhecia”, destaca o professor.
Em entrevista ao Metrópoles, Couto analisou o resultado das eleições e falou sobre o avanço da extrema-direita, que fincou pé em São Paulo.
No primeiro mandato do Lula, o PT conseguiu eleger prefeitos em várias cidades da região metropolitana de São Paulo, construindo o que ficou conhecido como cinturão vermelho. Desta vez, o partido teve um desempenho bem aquém do passado. Por quê?
Ainda há um reflexo, sim, do movimento anti-esquerda que começou a ser germinado em 2013. Nas eleições de 2016, o PT perdeu 60% dos seus prefeitos e vereadores e nunca conseguiu se recuperar plenamente.
Em 2016, três coisas importantes aconteceram: o ápice da Lava Jato, a recessão econômica ganhando corpo e o próprio impeachment da presidente Dilma. Toda a conjugação de fatores fez com que acontecesse algo que não costuma ser usual, que é o nacional ter efeito direto sobre as eleições locais.
E o que houve de lá para cá, além disso, foi o surgimento e a consolidação de uma extrema direita. Isto somado ao conservadorismo criou um ambiente negativo para a esquerda eleitoralmente. O Lula foi uma exceção em 2022 porque é uma figura que tem votação própria. E o Lula não é o PT propriamente dito, então é preciso fazer essa separação.
Na capital paulista, o PT, pela primeira vez na história do partido, abriu mão de uma candidatura própria para apoiar o nome de Guilherme Boulos (PSol). Lula venceu em São Paulo em 2022, mas a transferência de votos não se concretizou da forma esperada. Por que o eleitor do Lula não quis depositar seu voto em Boulos?
Porque são eleições diferentes. O eleitor quando vota no município está olhando para o município. O padrinho nacional, ou a preferência nacional do eleitor, não se reflete da mesma forma no nível local.
O ponto é: não daria para levar a sério a possibilidade disso ser um definidor da eleição. Isso pode dar alguns votos, pode facilitar um eleitor a se identificar politicamente com o candidato, mas daí a haver uma transferência de votos é uma distância muito grande. Talvez seja um erro de avaliação de quem considerou que isso poderia ser um fator decisivo. Nunca teria sido.
O que resta pra esquerda em São Paulo depois do resultado destas eleições?
A esquerda, primeiro de tudo, tem que fazer uma DR. Tem que discutir por que está batendo tanta cabeça, por que não consegue dialogar com novos eleitores. Inclusive, fazer uma autocrítica daquilo que não reconhecia. A gente tem uma pesquisa que a Fundação do PT, a PSOL Abramo, fez em 2017, que já mostrava uma mudança nas periferias da cidade. O pessoal parece que não levou a sério. A esquerda precisaria ter uma atualização.
Isso se reflete, inclusive, com a dificuldade que tem a esquerda, e o PT em particular, de falar com uma nova classe trabalhadora que é essa dos precarizados, dos trabalhadores por aplicativo, e também aquela dos pequenos empresários das periferias da cidade. O PT não conseguiu se dirigir a eles. Tem também o crescimento do eleitorado evangélico, que também é refratário à esquerda.
Durante a campanha, Nunes bateu muito na tecla de que Boulos, além de radical, era inexperiente. Ele precisará construir uma história de gestor, ganhar um ministério, por exemplo, para ter chances em outra eleição?
Ele é um deputado com votação garantida. Quanto a isso, não há problema. Mas acho que são duas coisas que ele tem que resolver. Uma é, eventualmente, carregar para si alguma experiência. Embora a gente saiba que muita gente é eleita sem. Mas se credenciar como alguém que tem experiência no Executivo pode fortalecê-lo.
O segundo é deixar de ser visto como um radical por uma parcela do eleitorado que rejeita radicalismo. Enquanto ele não conseguir fazer isso, acho que vai continuar tendo dificuldades para campanhas majoritárias.
O governador Tarcísio de Freitas foi o principal fiador da campanha de Nunes, contrariando, inclusive, recomendação do próprio Bolsonaro em meio ao crescimento do Pablo Marçal (PRTB) nas pesquisas. Na sua opinião, a eleição fortaleceu uma autonomia de Tarcísio em relação a Bolsonaro?
De alguma medida, sim. Até por conta da maneira como o próprio Bolsonaro se comportou, apoiando sem apoiar. Ele tem no Nunes o seu candidato formal. Até indica o vice do Nunes, mas não se envolve. Tarcísio não titubeou quanto a isso.
Ele se empenhou na candidatura do Nunes desde o primeiro turno. Tarcísio sai fortalecido, como um cara que foi pé quente, capaz de ajudar o seu candidato a se eleger e esteve com ele na hora difícil. Ao contrário do Bolsonaro. Nessa briga pra ver quem tem espaço na extrema direita, o Tarcísio acaba ganhando em uma eventual disputa.
Além do Tarcísio, essa eleição também trouxe outro nome da direita, o Pablo Marçal, que chegou perto de conseguir vaga no 2º turno. Entre Marçal, Tarcísio e Bolsonaro, quem saiu mais forte da eleição em São Paulo?
O Tarcísio, sem dúvida nenhuma. O Bolsonaro evidentemente não é o mais favorecido. E o Marçal, eu dou por líquido e certo que vai se tornar inelegível. Ele cometeu tanta violação da legislação eleitoral e até de outras leis durante o período de campanha que eu diria que é inevitável.
Ele sai mais conhecido, isso sem dúvida nenhuma, mas ele se tornando inelegível, sai fragilizado. Por outro lado, ele mostra que tem um espaço ainda grande na extrema direita e que esse espaço não é cativo do Bolsonaro.
O PSD, de Gilberto Kassab, terminou o primeiro turno com o maior número de prefeituras, 203 municípios. Por outro lado, o PSDB conseguiu, agora, apenas 21. Cenário contrário ao de 2020. A sigla de Kassab pode estar ocupando o lugar que os tucanos tinham no eleitorado paulista?
Já ocupou, né? Nos últimos anos, teve uma grande migração de prefeitos que eram do PSDB para o PSD. O PSDB é um partido praticamente morto. Não só em São Paulo, mas em vários outros lugares.
E, aqui em São Paulo, quando entra o governo Tarcísio, o Kassab faz uma limpa nas prefeituras do interior que eram do PSDB. Não bastasse isso, ainda houve uma debandada de vereadores do PSDB e a sigla não elegeu ninguém para essa eleição.
O PSDB já estava declinante; o PSD só aproveitou a situação e pegou todo mundo. E o Kassab é um sujeito extremamente competente em articular, construir partido, expandir poder. Tem muito do mérito dele como organizador partidário.
Além do PSD, os partidos que mais cresceram em São Paulo foram o Republicanos, do governador Tarcísio de Freitas, e o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro. É um sinal de força do bolsonarismo no estado? A extrema direita fincou um pé aqui?
Acho que sim. Mais no caso do PL do que propriamente do Republicanos, porque o último ainda é um partido meio heterogêneo, com mais característica do conhecido centrão.
A extrema direita cresceu primeiro pelo PL e um pouco pelo Novo que, somados, são 10% das prefeituras do país. No estado de São Paulo também houve um crescimento importante.
No entanto, ainda que sejam partidos que ganharam espaço, a gente está falando de 10%. Não é uma força majoritária e nem acho que será. O espaço majoritário segue sendo dos partidos que compõem o centro.
Agora, que a extrema direita, que praticamente não existia, surgiu por aqui de um tamanho razoável, não há como não reconhecer. É um fato.
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