Numa decisão monocrática a ministra do TSE Laurita Vaz cassou a possibilidade do prefeito de Petrolina Julio Lóssio (PMDB) continuar no cargo até o transitado em julgado da decisão de cassar os seus direitos políticos por abuso de poder econômico nas eleições do ano passado. Confira na íntegra o acórdão que deu a Fernando Filho (PSB) o direito de assumir a prefeitura daquele município.
DECISÃO
Trata-se de ação cautelar inominada com pedido de medida liminar proposta por JÚLIO EMÍLIO LÓSSIO DE MACEDO, eleito prefeito de Petrolina/PE nas eleições de 2012, com o objetivo de atribuir efeito suspensivo a agravo nos próprios autos interposto de inadmissão de recurso especial contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, lavrado em âmbito de ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), nos termos da seguinte ementa, litteris (fls. 1.171-1.172, volume 4):
RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PRELIMINAR. CONDUTA VEDADA. ARTIGO 73, INCISO IV E §10º DA LEI 9.504/97. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE TERRENOS PUBLICOS. MATERIALIZAÇÃO DO ATO DE DOAÇÃO. REALIZAÇÃO DE COMÍCIO. PROMOÇÃO PESSOAL DE AÇÃO GOVERNAMENTAL.
1. Preliminar de não-conhecimento do recurso, suscitada pelos recorridos, rejeitada, uma vez que o fato do recurso apenas reproduzir as alegações da petição inicial é questão que se confunde com a própria análise de mérito.
2. O artigo 73, §10 da Lei 9.504/97 veda a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública no ano eleitoral, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orcamentária [sic] no exercício anterior.
3. A distribuição de lotes de terrenos em ano eleitoral configura conduta vedada descrita no artigo 73, § 10º da Lei das Eleições, uma vez que não incidiram no caso quaisquer das exceções legais (calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orcamentária [sic] no exercício anterior).
4. A figura típica “distribuir” materializa-se com a publicação da Lei Municipal que permite ao Poder Executivo alienar sem ônus para os posseiros, os lotes de área urbana, sendo desnecessária, para a caracterização do ato de doação, que ocorra o registro no Cartório de Imóveis.
5. Por sua vez, a conduta vedada do art. 73 , IV da Lei 9.504 /97 configura-se mediante o uso promocional, em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social, custeados ou subvencionados pelo Poder Público.
6. A realização de evento para divulgar a sanção da Lei Municipal que previu a doação dos lotes sem ônus para os posseiros configura promoção pessoal através de ação governamental, incidindo no caso a figura típica descrita no artigo 73, inciso IV da Lei das Eleições.
7. Recurso provido para impor aos Recorridos as penalidades de cassação de registro, pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil) UFIRS e inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos.
O Autor sustenta (fls. 2-42 do volume 1) existência de plausibilidade jurídica do direito a embasar o pedido cautelar, tendo em vista que a decisão denegatória do recurso especial limitou-se a rebater os argumentos lançados no apelo com as mesmas razões de decidir já lançadas no acórdão recorrido, “ou, ainda, buscou suprir as graves omissões nas quais incorreu a Corte Regional e que foram objeto do Recurso Especial interposto” (fl. 8).
Assevera que, em momento algum, o Desembargador Presidente teria infirmado a violação aos dispositivos legais indicados, “o que demonstra de maneira inequívoca a plausibilidade de provimento do agravo para fim de regular processamento do Recurso Especial interposto” (fl. 9).
Sustenta que a questão posta nos autos principais mostra-se complexa, razão pela qual alegou nulidade do acórdão regional por ausência de enfrentamento de tema fundamental ao correto deslinde da causa, em contrariedade ao artigo 275 do Código Eleitoral por ausência de manifestação do TRE/PE acerca da alegação:
a) de cerceamento de defesa pela não oportunização de produção da prova documental e testemunhal requerida;
b) de cerceamento de defesa por ofensa ao contraditório e à ampla defesa, eis que a norma disposta no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97 não foi discutida em nenhum momento, havendo inovação quanto à condenação em grau recursal;
c) da inaplicabilidade do disposto no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97 às condutas praticadas antes do início do período eleitoral; e, por fim,
d) ilegitimidade ativa superveniente do Partido Socialista Brasileiro.
Diz, no ponto, que o acórdão do Tribunal a quo foi omisso ao não enfrentar as questões referentes ¿à nulidade decorrente do surgimento do artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97 somente em grau de recurso, e à alegação da inaplicabilidade dessa norma para fatos anteriores ao período eleitoral” (fl. 10).
Prossegue afirmando que houve violação ao artigo 6º, §§ 1º e 4º, da Lei nº 9.504/97, por ilegitimidade recursal do PSB (fl. 12):
Conforme se verifica dos autos, a presente demanda, protocolada em 14/06/2012, foi aforada pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB antes mesmo do início do período eleitoral.
Muito embora neste primeiro momento o referido partido tivesse legitimidade ativa para propositura da ação, tal legitimidade deixou de existir no momento em que, em convenção partidária, o PSB deliberou pela formação da Coligação Unidade por Petrolina para disputar as eleições de 2012.
Com efeito, a partir do momento em que o partido formalizou coligação, passou a incidir a regra disposta no artigo 6º da
Lei nº 9.504/97, que determina que a coligação funcionará obrigatoriamente como substituta processual de todos os partidos coligados.
Assevera afronta ao artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal, devido à impossibilidade de produção de prova documental e testemunhal, com cerceamento de defesa. A respeito da prova testemunhal, argumenta que todos os investigados (JÚLIO LÓSSIO, prefeito e candidato vitorioso à reeleição em 2012; Domingos Guimarães, vice-prefeito à época dos fatos, e Guilherme Coelho, candidato vitorioso ao cargo de vice-prefeito em 2012) requereram, em âmbito de contestação, a produção de prova oral, a qual foi considerada desnecessária pelo Juízo de primeiro grau. Ressalta, ainda, a importância da prova testemunhal para o caso dos autos (fls. 16-17):
[…] houve requerimento de inquirição de testemunhas tanto pela parte autora quanto pelos investigados, o que demonstra que os fatos tratados na demanda nem eram incontroversos, nem estavam documentalmente comprovados.
[…]
Verifica-se, assim, que o indeferimento da prova oral impediu que o requerente comprovasse suas alegações de defesa em toda a amplitude que lhe assegura não só a Constituição Federal, mas também o artigo 22, I, “a” e V da LC 64/90.
Sustenta que houve violação ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, haja vista que o julgamento se deu sob o prisma inédito do artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97. No ponto, afirma que, pelo que se observa dos autos, a demanda foi proposta sob a alegação de distribuição gratuita de bens (artigo 73, § 10, da Lei nº 9.504/97) e de abuso (artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90). O Juízo monocrático julgou a lide nos estritos termos da inicial, havendo concluído que a conduta enquadrava-se na exceção do artigo 73, § 10, da Lei das Eleições, conforme atestava a documentação acostada aos autos.
Prossegue afirmando que o TRE, no entanto, inovou ao analisar os fatos à luz do artigo 73, IV, daquela Lei, o que impediu que o Requerente tivesse oportunidade para se defender sob a suposta prática de uso promocional em favor de candidatura de distribuição gratuita de bens de caráter social. Conforme ressalta, “Até a prolação do acórdão do TRE/PE essa temática jamais havia sido trazida aos autos” (fl. 18).
Assevera que também estará a demonstrar a fumaça do bom direito para a concessão da presente cautelar ante a violação literal ao disposto no artigo 73, § 10, e IV, da Lei nº 9.504/97, devido à inexistência de distribuição de bens, pontuando que (fl. 20):
[…] as circunstâncias do caso em análise registradas pelo acórdão como, por exemplo, a ausência de efetiva distribuição dos lotes (núcleo central de ambos os dispositivos que embasaram a condenação) e as características do discurso proferido pelo requerente no ato de sanção da lei (todas elas expressamente registradas pelo acórdão recorrido) não permitem concluir-se pela ocorrência das condutas vedadas e, muito menos, de qualquer espécie de abuso de poder, o que demonstra a plausibilidade de provimento do recurso especial e do agravo nesse ponto.
Prossegue tecendo três considerações que demonstrariam a ausência de ilicitude na conduta objeto do feito: a inaplicabilidade da regra proibitiva do artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97 aos fatos ocorridos antes do período eleitoral; a inexistência de distribuição gratuita de bens; e a ausência de caráter promocional do discurso realizado.
Assevera que, no caso, o que ocorreu foi apenas a sanção da Lei nº 2.486, de 28 de maio de 2012, que autorizava o poder público a doar determinados lotes à comunidade, desde que atendidas inúmeras formalidades previstas na própria lei e desde que os beneficiários se enquadrassem nos requisitos exigidos pela norma, o que poderia configurar a exceção do § 10 do artigo 73, mas não a ilicitude do inciso IV daquele dispositivo legal.
Ainda que se pudesse considerar a mera autorização legislativa de doação dos lotes como efetiva doação, argumenta o Autor que ainda assim não estaria configurada a conduta vedada porque (fl. 31):
[…] a regularização fundiária no município de Petrolina, conforme registrado pelo acórdão recorrido, constitui política pública aprovada em lei e com execução orçamentária desde, pelo menos, o ano de 2006.
Argui a ausência de gravidade das condutas impugnadas, sendo inaplicável a sanção imposta, havendo, no caso, afronta aos artigos 73, § 5º, da Lei nº 9.504/97; 22, XVI, da LC nº 64/90; e 5º, LIV, da CF, visto que não houve observância ao princípio da proporcionalidade. Para tanto, afirma que os fatos reconhecidos não seriam suficientes a atrair a sanção de cassação do mandato e de inelegibilidade pelos seguintes fatores (fl. 35):
A realização desse mesmo evento diminuto antes do período eleitoral, em 28.05.2012;
A mera sanção de uma lei (seja sob o aspecto formal ou material) por parte do Prefeito Municipal;
A inocorrência de qualquer distribuição de lotes aos posseiros do letramento “Terras do Sul” , eis que até hoje ainda não foram atendidas as diversas etapas previstas pela lei aprovada;
Tais circunstâncias, com o máximo acatamento, não têm qualquer repercussão no contexto eleitoral de um município do porte de Petrolina, que conta com quase 180.000 eleitores.
Todas as alegações acima estariam a fundamentar o fumus boni iuris presente na ação cautelar.
O periculum in mora residiria no risco de prejuízo irreparável que representa a execução do acórdão antes do julgamento do agravo de instrumento e do recurso especial, consistente na retirada do poder do Chefe do Executivo local, situação indesejável tanto para o mandatário como para o Município.
Ressalta que “não há como repor dias, horas e minutos para quem é afastado do exercício da função para a qual foi eleito, pois o mandato tem termo definido e inalterável” (fl. 40).
Afirma que o D. Presidente do Tribunal a quo determinou a execução do acórdão que lhe cassou o diploma, de modo que se encontra na premência de ser afastado do cargo (fl. 41).
Pugna, assim, pela concessão da medida liminar para que se empreste “efeito suspensivo ao Agravo nos autos de Recurso Especial e, assim, suspender todos os efeitos do acórdão proferido pelo Eg. TRE/PE nos autos do RE nº 14-29/PE” (fl. 41) até o julgamento do recurso especial pelo Tribunal Superior Eleitoral; e pela concessão definitiva da medida cautelar, para suspender os efeitos do acórdão regional até o julgamento definitivo pelo TSE.
É o relatório.
Decido.
Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) sob a alegação de prática de conduta vedada cumulada com abuso de poder político por parte do Requerente, JÚLIO EMÍLIO LÓSSIO DE MACEDO, e por Domingos Sávio Guimarães, respectivamente prefeito e vice-prefeito de Petrolina/PE à época.
O Juiz da 83ª Zona Eleitoral de Pernambuco, em consonância com o parecer ministerial, julgou improcedente o pedido na ação de investigação judicial eleitoral, com fundamento no artigo 23 da LC nº 64/90, extinguindo o feito sem resolução do mérito (fls. 939-965 do volume 4).
O TRE de Pernambuco, por maioria de seus membros, reformou a decisão por entender configurada a prática da conduta vedada prevista no artigo 73, IV, e § 10, da Lei das Eleições (fls. 1.171-1.221, volumes 4 e 5), bem como o abuso de poder previsto no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90 para condenar o Requerente à cassação do diploma, ao pagamento de multa no valor de 10 mil Ufirs e à inelegibilidade pelo prazo de 8 anos.
Opostos embargos de declaração pelo PSB (fls. 1.232-1.237), pela Coligação Pra Frente Petrolina e JÚLIO EMÍLIO LÓSSIO DE MACEDO (fls. 1.240-1.259), por Guilherme Cruz Coelho (fls. 1.294-1.307) e por Domingos Sávio Guimarães (fls. 1.344-1.345), foram conhecidos e providos em parte (fls. 1.408-1.552, volumes 5 e 6), conforme consta das respectivas ementas:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO. DETALHAMENTO DA FUNDAMENTAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA EM CURSO NO EXERCÍCIO ANTERIOR (ARTIGO 73, §10 DA LEI N. 9.504/97).
1. Omissão acerca do detalhamento da inexistência de execução orçamentária em curso em ano anterior à eleição reconhecida.
2. Questão analisada apenas de passagem na decisão embargada. 3. Nas notas de empenho (fls. 206, 207, 246, 317), colacionadas aos autos, constam que os recursos que financiaram a aquisição dos imóveis se relacionavam ao Programa Nova Casa, não ao Programa de Regularização Fundiária, previsto na Lei n.º 2486/2012.
4. Embargos acolhidos para sanar a omissão apontada, mantendo o resultado do julgamento. (fl. 1.444, vol. 5)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA COLIGAÇÃO PRA FRENTE PETROLINA E POR JÚLIO LÓSSIO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE RECURSAL DA COLIGAÇÃO PRA FRENTE PETROLINA SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES DO PSB. PRELIMINAR DE PERDA SUPERVENIENTE DE LEGITIMIDADE DO PSB. MÉRITO. OMISSÃO DA ANÁLISE DAS PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA (PROVA DOCUMENTAL E PROVA TESTEMUNHAL NÃO PRODUZIDAS NO PRIMEIRO GRAU). 1. Preliminar de ilegitimidade recursal acolhida, uma vez que a Coligação pra Frente Petrolina não participou da relação processual como parte, nem tampouco fundamentou a existência de interesse jurídico para recorrer como terceiro interessado, conforme prescreve o artigo 499, §1º do CPC. 2. Rejeita-se preliminar de perda superveniente de legitimidade do PSB para atuar isoladamente perante a Justiça Eleitoral, após a criação da Coligação Unidade por Petrolina, da qual faz parte. Isto porque, conforme precedentes do TSE, o partido que ajuíza ação antes de formar a coligação não perde legitimidade para prosseguir na causa até o trânsito em julgado da decisão. 3. Reconhecida a omissão da análise das preliminares de cerceamento de defesa, em razão da não produção de prova documental e testemunhal na decisão embargada. 4.Desnecessidade de produção das mencionadas provas. 5. Embargos de declaração, opostos pela Coligação pra Frente Petrolina, não conhecidos por ilegitimidade recursal. 6. Embargos de declaração de Júlio Lóssio de Macedo acolhidos em parte para sanar a omissão, mas rejeitando as preliminares de cerceamento do direito de defesa. (fl. 1.480, vol. 5)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRELIMINAR DE PERDA SUPERVENIENTE DE LEGITIMIDADE DO PSB. MÉRITO. OMISSÃO DA ANÁLISE DAS PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA (PROVA DOCUMENTAL E PROVA TESTEMUNHAL NÃO PRODUZIDAS NO PRIMEIRO GRAU). OMISSÃO DA ANÁLISE DA SITUAÇÃO DO VICE-PREFEITO ELEITO NA ELEIÇÃO DE 2012- GUILHERME CRUZ COELHO. 1. Rejeita-se preliminar de perda superveniente de legitimidade do PSB para atuar isoladamente perante a Justiça Eleitoral, após a criação da Coligação Unidade por Petrolina, da qual faz parte. Isto porque, conforme precedentes do TSE, o partido que ajuíza ação antes de formar a coligação não perde legitimidade para prosseguir na causa até o trânsito em julgado da decisão. 2. Reconhecida a omissão da análise das preliminares de cerceamento de defesa em razão da não produção de prova documental e testemunhal na decisão embargada. 3. Desnecessidade de produção das mencionadas provas. 4. Como não integrava a administração anterior, nem tampouco se apresentava como candidato na ocasião, apenas se impõe a cassação do diploma, como consequência necessária da cassação do mandato do titular. 5. Embargos de declaração acolhidos em parte, para sanar as omissões, mas rejeitar as preliminares de cerceamento de direito de defesa, bem como para excluí-lo da imposição de quaisquer das sanções decorrentes do cometimento das condutas descritas na petição inicial, salvo cassação do diploma de Vice- Prefeito, consequência necessária da cassação do diploma do candidato a Prefeito. (fl. 1.518, vol. 6)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO DA ANÁLISE DA SITUAÇÃO DO VICE-PREFEITO NÃO CANDIDATO À REELEIÇÃO. CONDUTA VEDADA. RESPONSABILIDADE. AUSÊNCIA. PROVIMENTO DOS EMBARGOS. 1. Não se pode imputar a prática de conduta vedada, de conhecida responsabilidade do titular, à Vice-Prefeito. A imposição de qualquer sanção não pode ocorrer de forma automática ou reflexa, sendo necessária a demonstração do preenchimento de todos os elementos do tipo. 2. Hipótese em que o Vice-Prefeito não incidiu nas condutas vedadas, descritas no art. 73, inciso IV e em seu §10º, da Lei n° 9.504/97, visto que não possuía poderes para impedir a prática das ações efetivadas pelo titular, restando-lhe ausente o que os penalistas chamam de domínio do fato. 3. Embargos de Declaração conhecidos e providos para afastar a responsabilidade do Vice-Prefeito. (fl. 1.408, vol. 5)
(DJE 23.10.2013; sem grifos no original)
Contra o citado aresto foi interposto recurso especial eleitoral pelo Autor (fls. 1.555-1.595), inadmitido pelo e. Des. Presidente do TRE/PE (fls. 1.639-1.644v.). Donde o agravo de instrumento (fls. 57-101), protocolado em 14.11.2013, requerendo que esta Corte Superior assegure regular seguimento ao apelo nobre.
Feito esse breve histórico da controvérsia, passo ao exame do pedido liminar veiculado na presente cautelar.
Embora a jurisprudência do TSE admita, em circunstâncias excepcionais, a concessão de efeito suspensivo a agravo de instrumento e recurso especial, essa outorga por intermédio de cautelar incidental não prescinde da satisfação cumulativa dos requisitos do perigo na demora e da fumaça do bom direito.
A meu ver, não vislumbro, pelo menos em exame perfunctório, fumaça do bom direito, ou seja, plausibilidade jurídica do direito alegado nas razões do recurso do Autor desta cautelar no tocante à alegação de ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral. No ponto, o acórdão regional analisou as omissões apontadas nos declaratórios opostos de que não foi examinada na origem a alegação de cerceamento de defesa pela não oportunização de produção da prova documental e testemunhal requerida e da ilegitimidade ativa superveniente do PSB. Destaca-se excerto do voto condutor do acórdão regional (fl. 1.502-1.503, volume 6):
[…]
Conforme consta na decisão embargada, o artigo 73, § 10, da Lei nº 9.504/97 proibe os agentes públicos de distribuir gratuitamente `bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior” .
Assim, requereram os embargantes, em primeiro grau, o envio de oficio à Diretoria do Fórum de Petrolina para que informasse sobre a existência de eventuais ações ajuizadas pelos proprietários dos terrenos, com pedido liminar de reintegração de posse, a fim de que se comprovasse a situação emergencial, prevista na exceção do artigo 73, § 10º, da Lei nº 9.504/97.
No ponto, observo absolutamente desnecessária a mencionada prova, uma vez que a situação de calamidade pública e de estado de emergência, descrita na norma como exceção à conduta vedada, não constitui conceito jurídico indeterminado, sujeito ao juízo discricionário do administrador público.
[…]
[…] claramente se verifica que a existência de ações possessórias com pedido de liminar não se enquadra na situação de emergência, nem tampouco de calamidade pública, previstas no Decreto nº 7257/2010; de forma que resta absolutamente desnecessário o envio de oficio à Justiça Comum Estadual, solicitando informações sobre as mencionadas ações.
Sobre o alegado cerceamento de defesa consistente na produção de prova testemunhal, o acórdão prolatado em âmbito de embargos de declaração afastou sua ocorrência ao argumento de ser desnecessária a oitiva de testemunhas para aferição do tamanho do evento, visto que a promoção da sanção da lei municipal ocorreu em razão de outros fundamentos, comprovados através de prova documental e mídia do discurso, colacionados aos autos. A propósito, destaco do acórdão às fls. 1503-1504:
[…]
Ressalto que os embargantes consideram relevante a produção da prova testemunhal para se aferir, segundo conta dos embargos , o tamanho do evento, quantas pessoas aproximadamente o assistiram, as características da produção estética e também o grau de aparelhamento do Poder Público.
Assim, observo que os embargantes desejavam comprovar que o evento ocorrido no dia 28 de maio de 2013 não possuía dimensão suficiente para configurar a figura típica prevista no artigo 73, inciso IV, da Lei nº 9.504/97, consistente no uso promocional em favor de candidato, partido policito ou coligação de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.
No caso, verifico que não houve manifestação expressa na decisão embargada sobre o pedido de produção de prova testemunhal, de forma que reconheço a omissão e passo à análise da matéria.
Sobre a questão, entendo que não existe cerceamento de direito de defesa em razão de indeferimento de prova testemunhal, uma vez que se encontra comprovado, através de documentos, que realmente existiu o uso promocional de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social.
Realmente, na decisão embargada, apesar da preliminar não ser colocada em julgamento, restou devidamente demonstrado que o uso promocional da desapropriação dos terrenos não ocorreu em razão do número de pessoas presentes na solenidade, mas, principalmente, pelo caráter nitidamente eleitoreiro do discursos proferido pelo candidato Júlio Lóssio, pela grande cobertura da mídia local e ainda pelo alargamento da noticia pelas pessoas beneficiadas, uma vez que consta nos autos que aproximadamente 15400 famílias foram beneficiadas pela lei municipal que autorizava as doações.
Assim, entendo desnecessária a oitiva de testemunhas para aferição do tamanho do evento, uma vez que a promoção da sanção da lei municipal ocorreu em razão de outros fundamentos, comprovados através de prova documental e mídia do discurso, colacionadas aos autos.
No caso, verifico ainda que as testemunhas arroladas pelos embargantes na petição inicial -“vereador Alvorlane Cruz, Secretario Municipal Marcelo Cavalcanti e a servidora Mônica Lustoza” – possuem relação direta com o candidato Julio Lossio, de forma que provavelmente apenas seriam ouvidas como informantes, pouco contribuindo para o deslinde da causa. Assim, a desnecessidade da prova fica ainda mais patente. (sem grifos no original)
Quanto à alegada nulidade do acórdão prolatado em âmbito de embargos, que visavam manifestação daquela Corte Regional em relação à nulidade decorrente do surgimento do artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97 somente em grau de recurso e à alegação da inaplicabilidade dessa norma para fatos anteriores ao período eleitoral, não se vislumbra, neste momento, plausibilidade do direito alegado, visto que, nos declaratórios opostos pelo Autor, não foram suscitadas tais matérias.
No tocante à alegação de afronta aos artigos 6º, §§ 1º e 4º, da Lei nº 9.504/97, por ilegitimidade recursal do PSB, vale destacar que o acórdão recorrido está em consonância com a orientação deste Tribunal Superior de que o partido político tem legitimidade para prosseguir, isoladamente, em feito que ajuizou antes de se coligar. Nesse sentido:
AGRAVOS REGIMENTAIS. RECURSO ESPECIAL. REITERAÇÃO DE RAZÕES. PARTIDO POLÍTICO. AÇÃO AJUIZADA ANTES DE COLIGAR-SE. PROSSEGUIMENTO. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
I – O agravante deve atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada, não se limitando a reproduzir as razões do pedido indeferido (Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça).
II – Partido político tem legitimidade para prosseguir, isoladamente, em feito que ajuizou antes de se coligar.
III – Decisão agravada que se mantém pelos seus próprios fundamentos.
IV – Agravo regimental a que se nega provimento (sem grifos no original).
(AgRgAgRgREspe nº 28.419/MA, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJE 3.11.2009)
Saliente-se, ainda, em relação à alegação de ofensa ao artigo 5º, LIV e LV, da CF, que é da jurisprudência firme deste Tribunal que cabe ao magistrado deferir a produção de prova que julgar necessária ao esclarecimento dos fatos narrados na inicial. A propósito:
AGRAVOS REGIMENTAIS. ELEIÇÕES 2006. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PRODUÇÃO DE PROVAS. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. FUNDAMENTOS NÃO AFASTADOS.
I – O agravante deve atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada, não se limitando a simplesmente reproduzir no agravo as razões do recurso (Súmula 182 do STJ).
II – Não há que falar em preclusão, uma vez que a via processual somente foi aberta com a diplomação dos segundos colocados no pleito.
III – Cabe ao magistrado deferir a produção de provas que julgar necessária à instrução do processo. Inteligência do art. 130 do Código de Processo Civil.
IV – Primeiro agravo regimental provido e segundo agravo regimental desprovido.
(AgR-RCED nº 791/MA, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJE 4.5.2010 – sem grifo no original)
Diga-se ainda que, no tocante à violação ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, haja vista que o julgamento se deu sob o prisma inédito do artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97, não há probabilidade de êxito do recurso especial, tendo em vista a falta de prequestionamento do tema.
Em relação à aplicação do princípio da proporcionalidade das sanções cominadas, vale destacar que o Tribunal a quo, por maioria, entendeu que ficou demonstrada a prática de abuso e de conduta vedada prevista no artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97, sendo, na compreensão daquele Colegiado, cabível a aplicação das sanções de cassação do diploma, multa e inelegibilidade ao Autor desta Cautelar, o que, em juízo perfunctório, afasta o pressuposto da fumaça do bom direito para a concessão da medida cautelar.
Deixo claro, no entanto, que essa matéria será examinada com a segurança necessária e devida urgência por ocasião do julgamento do agravo.
Ante o exposto, INDEFIRO o pedido liminar.
Cite-se o Partido Socialista Brasileiro (PSB) – Municipal.
Decorrido o prazo recursal, ouça-se a douta Procuradoria-Geral Eleitoral.
Comunique-se o e. Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco.
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