Por ARTHUR VIRGÍLIO*
Num espaço curtíssimo de tempo, lá se foram Chico Anysio, mestre do humor no Brasil, e Millor Fernandes, o pensador, escritor, frasista, tradutor e cartunista. Fazem falta imensa a um Brasil que se tem marcado pela corrupção, pelas decepções, pelo rebaixamento dos valores.
Chico, quase 81 anos, fazia as pessoas felizes e sorridentes, sem deixar de praticar a crítica mais corrosiva aos desvios de conduta de políticos, de empresários, dos cidadãos. Os notáveis tipos que criou não seguirão com ele para o céu; ficarão conosco, com os nossos descendentes, para sempre.
Millor, 88, um dos mais densos intelectuais que este país já produziu, foi sempre a representação da vanguarda, da ousadia e da coragem. Sobre esta última, os tempos heroicos do “Pasquim” atestam muito bem.
O Millor das frases antológicas, que sempre me pareceu não ter idade, tamanha a sua capacidade de andar à frente dos tempos, nos faz herdeiros de obra plena de talento, humanidade, ironia, advertências. Faz a viagem para a eternidade logo depois de Chico, legando-nos a beleza que compôs, as ideias que o fizeram fonte de inspiração e aprendizado para brasileiros de algumas gerações.
Não tive a honra de conhecer pessoalmente Chico Anysio. Mas percebo-o como da minha maior intimidade.
Falei com Millor apenas uma vez, num restaurante no Rio, apresentado pelo querido amigo cineasta Silvio Tendler. Maravilhei-me em ouvi-lo por longo tempo que, quando acabou, pareceu curto demais.
Chico me emociona pelo sentimento das pessoas e pela correção que sempre demonstrou com suas ex-mulheres e com sua última companheira. Do mesmo modo, sua luta para manter em atividade, na Globo, atores e atrizes veteranos, revelava sublime solidariedade. Era a expressão da generosidade, coração enorme, pulsando com muito amor pela vida.
Millor sempre se me afigurou um personagem de mitologia. A morte de Chico me encheu de tristeza. A de Millor, de tristeza e estupefação: pensei que ele tinha algum acordo divino para não finar jamais.
Os dois, aliás, não morreram. Apenas o destino lhes oficializou a imortalidade.
Ri muito com Chico e com Millor. Pensei com um e com outro.
Agora, corroborando o pranto da nação, vejo um paradoxo, uma ironia. Os donos da verve, da crítica aos poderosos, do humor refinado, fazem uma longa viagem e nos deixam entristecidos.
Com o tempo, sei que a dor dá lugar somente às melhores lembranças, é substituída por permanente celebração. Vejam Bandeira, Drummond, Machado de Assis? A dor por eles não virou celebração e orgulho?
Bem sei que é assim, mas por agora, é de se registrar que essa última piada conjunta de Chico e Millor não teve graça nenhuma.
*Diplomata, foi líder do PSDB no Senado.
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