No filme estrelado por Brad Pitt e Anthony Hopkins, cujo título no Brasil é “Encontro Marcado” (original: “Meet Joe Black”) o protagonista repete a máxima, segundo a qual na vida há duas certezas irrefutáveis:“a morte e os impostos”; ou seja, não se tem dúvida de que se vai morrer e, igualmente, pagar impostos.
Diante da irrefutabilidade da obrigação tributária e antes de entrar especificamente no tema proposto, façamos algumas digressões. A primeira, acerca do Sistema Tributário Nacional em relação ao sujeito passivo: O contribuinte.
Os fatos jurídicos – também chamados de fatos-geradores ou regra-matriz de incidência tributária – sobre os quais incidem os tributos, em regra, são: 1. Renda; 2. Patrimônio; 3. Atividade Econômica e 4. Meio Ambiente (embora esta hipótese seja algo noviço).
Segundo o relatório “Carga Tributária no Brasil 2015”, elaborado pela Receita Federal, 93,78% da tributação brasileira é concentrada em tributos que incidem sobre a Renda (44,10%) e a Atividade Econômica (49,68%).
Tais tributos, excetuando-se o IR (Imposto de Renda), são classificados como ‘indiretos’, ou seja, o ônus do pagamento é repassado, de forma embutida no preço do bem ou serviço, ao consumidor final.
Portanto, já por estes números se pode concluir que o peso da carga tributária nacional é suportado, quase que exclusivamente, pelo contribuinte na ponta da cadeia econômica.
Assim sendo, o sistema não respeita o princípio da capacidade contributiva, posto que o custo tributário de um produto será o mesmo, para o contribunte, independentemente de sua condição sócio-econômica.
Conforme a “Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 – Despesas, Rendimentos e Condições de Vida”, do IBGE, as principais despesas de consumo de uma família brasileira com renda de até 02 salários mínimos (à época R$ 830,00) referem-se à Alimentação, Habitação, Vestuário, Transporte, Educação e Saúde.
Comparando uma família que ganhava até 20 salários mínimos (R$ 10.375,00), na Tabela 08 do supracitado estudo, chegamos à conclusão que o custo da Alimentação sobre a renda bruta familiar é maior para quem vive com R$ 830,00 (27,8%) do que para quem vive com R$ 10.375,00 (8,5%).
Neste mesmo sentido, quem ganha até 03 salários mínimos – 79,02% da população – contribui com 53,79% da arrecadação tributária. Somados àqueles que ganham até 05 salários, chega-se a 89,16% dos brasileiros que arcam com 66,44% de tudo o quê é arrecadado.
Enquanto aqueles que ganham de 10 a 20 salários e de 20 salários em diante – 2,4 e 0,84% da população, respectivamente – contribuem, ao total, com 16,93%.
Então, por estes números já se denota uma das grandes distorções – ou mesmo injustiça – do nosso ordenamento jurídico-tributário, qual seja: É fundado, sobremaneira, em tributos indiretos, cuja consequência fundamental é quem ganha menos, paga mais (suportando uma carga tributária maior). Denotando o indesejoso fenômeno da regressividade.
Não obstante e segundo a própria Receita Federal, no relatório aludido, constata-se que o Brasil:
a) Tem a maior carga tributária entre os países da América Latina e Caribe: 32,4% (gráfico 09).
b) É o segundo país no “ranking” da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), perdendo apenas para a Hungria, que mais tributa Bens e Serviços, (gráfico 07).
c) É o último colocado da OCDE na tributção sobre a Renda, Lucro e Ganho de Capital, (gráfico 04).
Em contraponto, os EUA, cuja lógica do sistema tributário é inversa à do Brasil, fundamentam-se em tributos diretos, sobretudo sobre o pratrimônio, a renda e os ganhos de capital. “A título de comparação, nos Estados Unidos, o imposto sobre heranças – equivalente ao ITCMD brasileiro – chega a patamares de 70% sobre o total da herança!”.
Pois bem, há muito se fala no chamado Pacto Federativo, contudo, quando nos aprofundamos um pouco sobre esta questão, percebemos que estamos diante de um sonho; para não se dizer um engodo.
O quê se presume, então, de um verdadeiro Pacto Federativo ou Federalismo Fiscal? No mínimo, que se garanta o “desenvolvimento nacional” (art. 3°, I, CF), norteando-se, igualmente, pelas prescrições contidas no art. 145 a 162, da Carta Magna.
Ao se falar em partilha da arrecadação tributária entre os Entes da Federação – União Federal, Estados (26), Distrito Federal e Municípios (5.570) – a conta que nos vêm à memória é aquela cantada pelo imortal Luiz Gonzaga, na música “Karolina com K”, quando repartiu a cota que ganhara por ter tocado num forró com seu parceiro, “Ancermo”, afirmando: “um pra eu, um pra tu, um pra eu. Um pra eu, um pra tu, um pra eu,…”.
Senão vejamos: Ainda segundo o mencionado relatório da Receita Federal (tabela 04), quase 2/3 da arrecadação tributária brasileira está concentrada na União Federal (68,26%), cabendo aos Estados 25,37% e, aos Municípios, meros 6,37% do total.
Antes mesmo de adentrar na matéria que trata da partilha das receitas, mencionemos as espécies tributárias, por Ente Federativo e segundo os fatos jurídicos (fatos geradores):
Entes Federativos / Fatos Geradores
União (artigos 153 e 154 CF)
Estados (art. 155 CF)
Municípios (art. 156)
Renda
– Renda (IR)
– Contr. Previdenciária
– Contr. ao Seguro de Acidente do Trabalho
– Contr. ao Salário Educação
– Contr. ao Sistema S
Patrimônio
– Imposto Propriedade territorial Rural (ITR)
– Grandes Fortunas
– Contribuição de Melhoria
– Imposto Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Natureza (ITCMD)
– Imposto Propriedade Veículos Automotores (IPVA)
– Contribuição de Melhoria
– Imposto de Propriedade predial e territorial Urbano (IPTU)
– Imposto de Transmissão de bens Imóveis (ITBI)
– Contribuição de Melhoria
Atividade Econômica
– Imposto Produtos Industrializados (IPI) *
– Imposto de Operações Financeiras (IOF) *
– Imposto de Importação (II) *
– Imposto Exportação (IE) *
– Contr. Social da Seguridade Social (COFINS)
– Programa de Integração Social (PIS)
– Contr. Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)
– Contr. de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE)
– Imposto Circulação Mercadorias e Serviços (ICMS)
– Imposto de Serviços de Quaisquer Natureza (ISS)
Visivelmente e pelo número de espécies tributárias, já se percebe a hipertrofia federativa da União. E não só: A arrecadação pelas Contribuições é de 51,20%, enquanto que pelos Impostos é de 36,14%, aproximadamente; (tabela TRIB 01-C).
Como a partilha se dá pela receita dos Impostos, dentre os quais e fundamentalmente o IPI e o IR; então, a soma arrecadatória destes dois tributos é de 19,92% (conforme a mesma tabela supracitada, do Relatório aludido).
A Constituição Federal, em sua Seção VI, Capítulo I, sob a denominação de “Repartição de Receitas Tributárias”, estabeleceu 03 (três) modalidades diferentes de participação dos Entes Federativos, quais sejam:
a) Participação direta no produto da arrecadação de imposto de competência impositiva da União: artigos 157, I e 158, I da CF.
As parcelas de Imposto de Renda retido na fonte incorporam-se, desde logo, às respectivas receitas correntes;
b) Participação no produto de imposto de receita partilhada: (…);
c) Participação em fundos”.
Excetuando-se a participação direta no IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte) – art. 157, I e 158, I, CF – e a participação no produto de imposto de receita partilhada – não só da União, como também do Estado – IPVA e ICMS – (art. 157, II; 158, II, III e 159, III, CF), o percentual que integra o FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) não é a soma da arrecadação do IPI e do IR, mas sim, 49% da receita destes tributos que deverão ser partilhados da forma prescrita pelo art. 159, da CF.
Portanto, considerando a arrecadação dos municípios, que representa apenas 6,37% do bolo nacional; ressaltando que o produto das Contribuições (51,20%) é bem maior que o dos Impostos (36,14%) e a partilha só se dá sobre algum destes e, enfim, considerando que o FPE e o FPM são formados, não pela totalidade, mas por 49% do IPI e do IRI, dos quais, apenas 24,5% compõem o FPM; indaga-se: Existe o chamado Pacto Federativo? Lembram-se da conta de Luiz Gonzaga?
Repetindo: Os 24,5% que compõem o FPM não é sobre o montante total da arrecadação nacional, mas, exclusivamente, sobre a soma do IPI com o IRI (19,92%, em 2015 2015; segundo o relatório da RFB).
E, como se não bastasse a diminuta contribuição dos municípios à arrecadação nacional e os parcos repasses federais, ainda há gestores municipais que incorrem em irresponsabilidade fiscal ao não arrecadarem, eficazmente, as receitas tributárias próprias (isto será objeto de um próximo artigo).
Enfim, se se perguntasse ao Rei Luís XVI e ao Czar Nicolau II, antes da Revolução Francesa (1789) e Russa (1917), respectivamente, se desejariam mudança, qual não seria a resposta de ambos? Desta forma, pergunto: No Brasil, a quem interessa a Reforma Tributária? Pelo quadro atual, certamente nem à União, tampouco aos privilegiados economicamente, que são os que mais se beneficiam do “status quo” tributário.
Lauro Henrique Chaves
Procurador Geral do Município de Paudalho
Mestrando em Direito Tributário pela UCA (Universidade Católica Argentina)
Especialista em Direito Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários)
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