Fernando Rodrigues
Do UOL, em Brasília
O ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (PTB-AL) avalia que o Brasil passa por uma “crise política sem precedentes”. Se um eventual processo de impeachment contra Dilma Rousseff começar a tramitar, o afastamento da petista será “irreversível”.
Em entrevista ao UOL para fazer um paralelo entre o momento atual e o que ele próprio enfrentou, em 1992, quando sofreu um processo de impeachment, Collor demostrou ceticismo sobre as possibilidades de recuperação do governo de Dilma Rousseff.
“Esse filme eu já vi”, diz Collor para descrever a “angústia” que sente ao assistir à deterioração do apoio político ao Palácio do Planalto. “A presidente está privada de instrumentos essenciais de coordenação, de concertação política para sair da crise em que ela colocou seu governo”.
Aos 66 anos e hoje senador pelo PTB de Alagoas, Collor demonstra desencanto ao analisar a conjuntura criada por Dilma e o apoio que deu à petista no último processo eleitoral. “Eu errei na minha avaliação. Ela realmente não estava preparada [para ser presidente]”.
Ele usa uma alegoria para descrever como enxerga a administração dilmista. “É mais ou menos como aquela figura do sapo que se coloca numa tigela de água em cima de uma fonte de energia de fogo. A água vai esquentando. O sapo aguenta. Até que a água ferve e o sapo não sai”.
Na avaliação de Collor, Dilma erra de maneira continuada. Um dos equívocos mais recentes é a decisão de cortar 10 ministros nesta semana, no meio da “borrasca”. É uma ação “tardia”, sem o efeito simbólico positivo, mas cuja consequência será “catastrófica”. Produzirá “uma ebulição política na base, algumas centenas de graus centígrados acima do que já está”.
Será como o sapo que morre na panela com água fervendo? “É a consequência natural”.
Apesar da acidez de sua análise, Collor não demonstra torcer contra Dilma: “Talvez em função de um desejo íntimo meu: que não ocorra com nenhum presidente o que ocorreu comigo”. Mas seria necessário “acreditar em milagres para achar que ainda não chegamos a um ponto de não retorno”.
Uma vez iniciada a tramitação do processo de impeachment, a chance de interrompê-lo, “para não dizer que é zero, é muito próximo disso”. Por quê? “É algo que começa a ter vida própria. Ninguém mais tem racionalidade (…) Há que se evitar que se chegue a esse ponto”. O ex-presidente então faz uma ressalva: “Que estamos na rota, estamos”.
O senador faz poucas recomendações para Dilma, exceto que atue nos bastidores para tentar construir uma aliança política ampla. Acha que a investida da presidente para se aproximar de políticos pode ter o efeito oposto do desejado. Até porque a petista “não nutre prazer” pelo convívio com deputados e senadores. Os interlocutores sempre percebem.
Collor conta uma conversa entre ele e Dilma, em março de 2015, num momento agudo de manifestações de rua contra o governo:
“Sugeri a ela pedir desculpas. Ela perguntou: ‘Desculpas por quê?’. E eu disse: porque há 3 meses ou 4 meses nós estávamos nas ruas dizendo que a energia elétrica não ia subir nem o custo da energia elétrica para as famílias, que a inflação estava sob controle, que os juros não iam subir, que a gasolina não ia subir. E o que nós estávamos vendo era completamente diferente”.
Segundo Collor, Dilma ficou “rabiscando num papel”. A conversa terminou só com um “muito obrigado” e nada mais? “Não. Nem muito obrigado. Ela ouviu. Ouviu, mas não escutou”.
Citado pelo Ministério Público como um dos envolvidos na Operação Lava Jato, Collor disse que não queria falar a respeito.
A seguir, trechos da entrevista do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello, gravada na terça-feira (22.set.2015), no estúdio do UOL, em Brasília:
A seguir, trechos da entrevista do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello, gravada na terça-feira (22.set.2015), no estúdio do UOL, em Brasília:
UOL – O Brasil passa por um momento de crise política. O que levou a essa conjuntura?
Fernando Collor – O país vive hoje uma crise política sem precedentes.
Sem precedentes?
É o que me parece. É o meu sentimento. E uma crise econômica também de extrema gravidade. Portanto, deslindar esse cruzamento de duas crises que afetam a nação como um todo, com essa abrangência e profundidade, é algo extremamente difícil. Acho que é necessário muita habilidade política, muito senso de responsabilidade para com o presente, para com o futuro que se avizinha.
Em que medida a situação atual do Brasil guarda similitudes com a de 1992, quando o sr. enfrentou um processo de impeachment?
Há uma diferença fundamental entre os eventos que culminaram com o meu afastamento da Presidência em 1992 e com os eventos que hoje nos circundam. Em 1992, no campo econômico, nós tínhamos uma situação extremamente sólida. (…) Diferentemente de hoje, em que a economia não está exatamente algo que nós pudéssemos sequer dizer controlada.
Mas em 1992 a inflação ainda não estava controlada…
Sim. Mas nós tínhamos passado de uma patamar de uma inflação de 86% ao mês para uma inflação de 20%, 23% ao mês. Mas isso não implicava, apesar da inflação ainda estar alta, em nenhum desajuste orgânico da economia. A economia estava bem. Estava caminhando bem. (…)
Mas o processo de hoje é parecido com o da sua época?
Não. Na minha época… No final do processo, o PMDB, por exemplo, representado pelo dr. Ulysses Guimarães, pressionado por São Paulo, pelo governador de saudosa memória, Orestes Quércia, mudou de posição. Decidiu apoiar o movimento que estava já nas ruas pedindo a minha saída da Presidência da República.
Mas isso foi no final. Já chegando muito próximo das eleições. Mas a relação era muito boa. A relação era, com os partidos, muito fluida. O problema que nós vivenciamos hoje é fundamentalmente um problema desse presidencialismo de coalizão que, no meu entender, não funciona.
O presidencialismo de coalizão é um sistema de governo gerador de crises semestrais. Não há nenhuma possibilidade de se manter um governo estável no sistema presidencialista com um presidencialismo de coalizão. Como se construir uma maioria dentro do presidencialismo de coalizão, vamos dizer, na Câmara dos Deputados, onde existem 27 ou 26 partidos ali representados? Como? É melhor dar o poder ao parlamento. Daí a questão do parlamentarismo. Que é uma ideia que eu venho defendendo. Uma proposta que eu venho defendendo há muito tempo juntamente com outros parlamentares para que seja instituído no Brasil.
Um presidente da República que enfrenta uma situação difícil passa a ter uma atitude mais ensimesmada?
Sim. Tem.
Como o sr. sentiu isso?
A diferença fundamental é que a presidenta é uma pessoa que nunca vivenciou a política partidária. Nunca militou na política partidária. Quer dizer, nunca exerceu nenhum cargo público.
Não tinha experiência. Não tinha o conhecimento exatamente. E, mais do que não ter conhecimento do que era a política, do que seria o Congresso, ela não gostava disso.
O sr. acha que ela não nutre prazer?
Não nutre prazer. E num momento de crise –e eu enfrentei vários momentos de crise durante o meu governo –a primeira reação do governante é se isolar. É se isolar e tomar as decisões de forma solitária e achar que aqueles que estão ao seu redor não estão ajudando de forma conveniente ao momento.
Isso aconteceu com o sr.?
Aconteceu. Aconteceu comigo, mas em seguida eu reagi.
Mas nessas horas o próprio governante talvez não seja o seu melhor conselheiro…
Exatamente isso. Uma vez, contrariando o meu desejo, cedi aos apelos que foram feitos numa solenidade de taxistas no Palácio do Planalto. Estavam todos lá. Eu disse ao cerimonial que não falaria, como não falei. Terminou a cerimônia e eu saí. Não falei. Mas aí, em coro, pediram: “Fala, Collor”. Os ministros foram lá me buscar para que eu falasse. Aí saiu aquele grande equívoco, aquela grande “pixotada” que foi a de conclamar o povo a sair nas ruas no domingo vestido de verde e amarelo. Entreguei de bandeja um prato para aqueles que se opunham a mim saírem de preto e mostrarem que não era esse o sentimento da população, o que eu imaginava ser.
É muito difícil o presidente da República fugir do erro de se isolar, de não escutar, de não ouvir. Acredito que esse seja o erro primordial do governo atual.
O governo é mais ou menos como aquela figura que contam do sapo. O sapo que se coloca numa tigela de água em cima de uma fonte de energia de fogo. O sapo está dentro da água. E a água vai esquentando, esquentando. O sapo fica aguentando tudo. Até que a água ferve e o sapo não sai.
Quando você coloca o sapo dentro da água fervendo, o sapo pula imediatamente. Mas quando ele está dentro da água e a água vai esquentando aos poucos, ele não se apercebe do perigo que está correndo. Esse é mais ou menos o problema que esse governo vem passando. Não está escutando.
No seu caso, havia algo possível para evitar o desfecho que houve?
Havia. Várias medidas que poderiam ter sido tomadas para evitar o desfecho. A primeira delas teria sido evitar a constituição da CPI [do PC Farias]. Seria extremamente simples para mim naquele momento evitar que a CPI fosse instalada. Ela foi instalada com o meu apoio e o apoio da minha base. Por sugestão de algumas pessoas próximas, dentro do governo, a mim.
A crise atual já está num “ponto de não retorno”?
Tenho receio de fazer a conclusão deste diagnóstico. É uma situação de extrema gravidade. Aí ainda estamos discutindo a questão desse rombo, desse déficit no Orçamento da União da ordem de R$ 30 bilhões.
No meu entender será o dobro disso. Nunca vi isso na minha vida. Não tenho leitura, registro, de que algo parecido tenha acontecido nem durante a minha existência. Isso é algo de uma temeridade absoluta.
O governo pretende consertar o Orçamento de 2016 por meio de medidas que dependem em grande parte do Congresso. Vai dar certo?
Do ponto de vista técnico, a melhor saída é a volta da CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira]. É algo que imediatamente pode ser recebido. Mas se esta é uma saída técnica, é por outro lado politicamente inviável.
Inviável?
É inviável. Não há como passar.
O Congresso não aprovará?
Nenhuma medida. Não estou fazendo nenhum vaticínio. Apenas dando a minha impressão, fruto da minha vivência. Não há nenhuma possibilidade de o Congresso Nacional aprovar o ajuste orçamentário para 2016 com essas medidas que estão sendo encaminhadas. Não vejo nenhuma possibilidade.
A crise então se agrava mais?
É o que eu disse há pouco.
O seu diagnóstico então é que já se chegou a este ponto de não retorno?
Nós precisamos acreditar em milagres para achar que nós ainda não chegamos a um ponto de não retorno.
A presidente anunciou uma reforma ministerial que reduz de 39 para 29 o número de ministérios. Foi uma decisão acertada?
É tardia.
Acertada, porém tardia?
Exato. Essa decisão ela deveria ter tomado logo no início do ano. Eu próprio sugeri a ela depois de um panelaço, fruto de uma intervenção dela na televisão. Tive a oportunidade de dar a minha opinião.
Como foi a sugestão?
Sugeri que a primeira palavra dela numa aparição de rádio e televisão, numa rede nacional, seria pedir desculpas. E ela perguntou: “Desculpas por quê?”. E eu disse: porque há 3 meses ou 4 meses nós estávamos nas ruas dizendo que a energia elétrica não ia subir nem o custo da energia elétrica para as famílias, que a inflação estava sob controle, que os juros não iam subir, que a gasolina não ia subir. E o que nós estávamos vendo era completamente diferente.
E ela?
E ela… Rabiscando num papel. Eu disse a ela também que deveria falar com humildade e falar diretamente para o coração da mãe de família, da dona de casa, do chefe de família. Dizer que houve equívoco na avaliação que foi levada a ela sobre como seria o ano de 2015. Mas que ela, como presidente da República, embora não tivesse sido responsável pelo desenho desses cenários, tinha de assumir a sua responsabilidade diante disso. E pedir desculpas, fazer um chamamento para novamente estarmos todos juntos e, ato contínuo, anunciar que iria cortar uns 15 ministérios e metade dos cargos em comissão na Esplanada dos Ministérios.
O sr. disse a ela em meados de março?
Começo de março.
E ela reagiu ao final como?
Não fazendo nada disso.
Mas ela disse algo ao sr. no final da conversa?
Nada. Nada.
Apenas “muito obrigado”?
Não. Nem muito obrigado. Ela ouviu.
Nem “muito obrigado”?
Não. Ouviu, mas não escutou.
Naquele momento, se ela tivesse feito essa redução dos ministérios e de cargos, acho que teria um impacto. Se ela tivesse falado diretamente com a população…
Mas agora, se fosse ela, não mexeria em nada. Deixaria a composição de ministérios como está. Neste momento de crise, de borrasca, não é o momento ideal para se mudar de barco.
Se ela insistir em cortar 10 ministros, qual será a consequência?
Catastrófica.
Descreva.
Uma ebulição política na base, algumas centenas de graus centígrados acima do que já está.
Como o sapo que morre na panela?
É a consequência natural.
O que ela poderia fazer a esta altura então?
Esse é que é o drama. Essa que é a dificuldade que sinto cada dia quando me levanto e olho a situação e vejo… Meu Deus, será que não tem nenhuma forma de resolver esse assunto?
O bê-á-bá da cartilha política é que ninguém pode governar sem o apoio do Congresso. Ninguém. Ninguém governa sem o apoio do Congresso dentro de um sistema democrático. Ela antes não tinha a simpatia do Congresso, mas tinha o apoio do Congresso. Hoje, ela não tem a simpatia e não tem, o que ainda é mais grave, a solidariedade do Congresso.
O sr. acredita então que é inevitável, dada a conjuntura atual e sem o milagre que o sr. mencionou, que em algum momento será instalado esse processo de impeachment contra a presidente?
Não acho que o processo de impeachment seja o melhor caminho.
E a inevitabilidade do processo?
Embora eu considere isso nas minhas projeções, sempre coloco essa possibilidade como a mais remota. Talvez em função de um desejo íntimo meu: que não ocorra com nenhum presidente o que ocorreu comigo.
Mas…
Mas, sim. É uma possibilidade. É uma possibilidade.
Essa possibilidade hoje é real?
É. Mas aí eu me permitiria voltar a uma outra conversa que mantive com a presidenta Dilma na presença de líderes do Senado e do vice-presidente Michel Temer. Isso foi recente, há 2 meses.
Um jantar no Alvorada?
Um jantar no Alvorada. Na reunião discutia-se a pauta de votação no Congresso –medidas provisórias, o que votar, o que não votar. E ninguém falava de um assunto que estava, está, presente em nosso dia a dia, que é o impeachment. Então eu disse: “Presidenta, me desculpe, mas eu não ouvi aqui ninguém se referir a algo que politicamente eu acredito que nós tenhamos de discutir para saber como evitar, que é a questão do impeachment. É o que se comenta no Senado, na Câmara dos Deputados, nas ruas, nos meios acadêmicos, por pessoas formadoras de opinião. Nós temos de enfrentar isso”. Do mesmo modo, não houve nenhuma resposta dela. Ela não fez nenhum tipo de comentário.
Em seguida, falou o vice-presidente Michel Temer. Ele disse que achava que minha a exposição estava bem colocada e que teria que merecer, por parte do governo, a atenção devida para tomar medidas que fossem possíveis para evitar que isso [impeachment] se consumasse.
Então fico analisando, vendo essa tentativa até comovente que ela vem fazendo de se reaproximar da classe política, de se reaproximar dos partidos políticos…
Comovente por quê?
Porque…
Ela já foi abandonada na sua opinião?
A classe política está infensa a esse tipo de demanda por parte da presidente da República.
Todas as suas análises indicam que a presidente está sem saída no momento…
Vejo a presidente numa situação muito difícil.
O sr. tem uma recomendação sobre o que ela possa fazer a esta altura?
Bom, as recomendações que fiz nessas duas oportunidades ela não seguiu. Está tentando fazer agora, mas o “timing” se perdeu. O momento para que fossem tomadas certas decisões passou.
Tudo o que ela fizer então não surtirá o efeito desejado?
Não [surtirá].
Não surtirá?
Lamentavelmente, no meu entender, não surtirá.
Acho que precisamos juntar todos, a classe política, os principais partidos políticos. Todos entenderem que essa crise não se restringe ao perímetro da praça dos Três Poderes, mas que se estende ao país todo. Atinge a todos.
Mas o sr. vê esse tipo de união acontecendo?
Pois é… Vejo o contrário. Eu vejo o contrário.
Mas falo de um esforço da própria classe política. Não em função da demanda dela [Dilma], que não surte efeito. No momento em que a classe política entender que a solução desse problema passa inexoravelmente pelo Congresso Nacional e pela união de forças, independentemente de serem simpáticas ao governo, encontra-se uma saída.
Mas… não seria quase ingênuo acreditar que isso se materialize no curto prazo?
Nós temos que acreditar em alguma coisa.
Independe da presidente?
Independe dela.
Dilma não pode mais fazer nada?
Qualquer ação dela no sentido de se reaproximar da classe política é uma ação que gera um efeito talvez contrário ao que ela esteja desejando.
Ou seja, ela acelera o processo de impeachment e não o contrário?
Não digo que acelere o processo. Digo que essa ação dela não contribui para amenizar a grave crise que estamos atravessando.
Mas presidente, se o governante tende a ficar isolado em um momento de crise…
Agora não está mais. Ela já partiu para a ação.
Mas se ação não surte o efeito que seria benéfico, como o sr. diz, a presidente teria que voltar para a estratégia anterior e se resguardar?
Não. Ela tem que começar, nos bastidores, a tentar organizar o que culminaria nessa possível união das forças políticas que entendam que é necessário haver um união em torno de uma saída.
E a reforma ministerial…
Isso agrava.
Agrava porque, se fosse feito naquele momento, lá atrás, seria entendido. Os partidos apoiariam. Todos entenderiam que precisava esse movimento. Teria sido uma demonstração que o Executivo estaria dando de cortar na própria carne, de mostrar um desejo de resolver os problemas fiscais do país. Mas esse momento passou. Hoje, qualquer mudança no ministério significa agravar a relação com um contingente de partidos e de pessoas. Quer dizer, não tem mais nem o efeito simbólico e o efeito político é desastroso.
Na eventualidade do início da tramitação de um processo de impeachment na Câmara, na conjuntura atual, o desfecho é irreversível?
Num processo de impeachment, quem o guia é o imponderável. Não há regra fixa, não há matriz, um padrão.
Mas dentro dessa teoria do caos que se instaura quando começa a tramitar o impeachment, o sr. acha que para a presidente Dilma Rousseff se o processo é instalado…
Vai ser péssimo.
Uma vez andando o processo na Câmara, a chance de ela conseguir detê-lo é zero?
Para não dizer que é zero, é muito próximo disso. É algo que se transforma, que começa a ter vida própria. É um processo sobre o qual ninguém mais tem racionalidade ao conduzi-lo. Porque a paixão desenfreada, desencadeada dentro de um processo político, com a população de alguma forma insuflando e apoiando…
…Torna-se irreversível.
É irreversível. Se for instalado, é irreversível. É irreversível até porque, instalado o processo na Câmara, automaticamente o presidente é afastado.
Não. O processo demora uns 45 dias até a presidente ser afastada…
Depende. No meu caso foi muito mais rápido [risos]. Os prazos foram todos ultrapassados, de modo a adequar a votação do meu afastamento às vésperas de uma eleição municipal em que todos estavam com os ânimos muito exaltados.
Essa questão de prazos, num processo político como é o impeachment, é vencida de maneira rápida, da maneira que for conveniente para a maioria dos que estão comandando e coordenando o processo.
Recapitulando: instalado o processo de impeachment, pode ser muito rápido, é imponderável e, o sr. diz, irreversível?
Se for instalado o processo de impeachment, se for aprovado pela Câmara… É irreversível no momento em que a maioria absoluta da Câmara vote para afastar.
E antes dessa votação, naquelas semanas que antecedem a votação do afastamento, mas o processo já está tramitando? O sr. acha que também nesse período já fica muito difícil e irreversível?
É… quando chega a esse ponto… Há que se evitar que se chegue a esse ponto.
Mas a conjuntura atual está levando para a abertura desse processo na Câmara?
Que estamos, vamos dizer assim, na rota, estamos. Mas essa rota pode ser desviada se houver alguma possibilidade dessa união da classe política em torno da constituição de um projeto de salvação nacional.
Como o sr. se sente assistindo a este processo? Como é que o sr. descreveria seu sentimento pessoal?
Me angustio muito. Até porque esse filme eu já vi.
Desde quando Antônio Palocci era ministro da Casa Civil, há 4 anos, eu estive com ele e falei da minha preocupação. Já naquela época havia alguma coisa, algum azedume nas relações entre o Legislativo e o Executivo.
O Palocci me disse: “Mas, presidente, eu não percebo isso. Todos os projetos da presidente no Congresso estão sendo aprovados”. Aí eu falei: “É verdade. Ela está tendo o apoio do Congresso para essas medidas. O meu receio é de que no momento em que ela precise da solidariedade do Congresso, ela não venha a ter esse apoio”.
Agora, é chegado exatamente esse momento em que a solidariedade é exigida para que o governo saia dessa grande crise em que está introduzido. Porque a presidente não tem mais instrumentos nem capacidade –não porque ela não queira, até porque agora ela está querendo. Mas como passou o tempo, a presidente está privada desses instrumentos essenciais de coordenação, de uma concertação política para sair da crise em que ela colocou seu governo.
A presidente Dilma estava preparada para assumir a função de presidente da República do Brasil?
Eu errei na minha avaliação. Quando ela era chefe da Casa Civil, eu estava na presidência da Comissão de Infraestrutura no Senado. Foi quando lançou-se o PAC. Eu me avistava com ela para tratar dessa questão das obras de infraestrutura. Percebi uma mulher extremamente decidida, determinada, com capacidade de tomar medidas rápidas.
Achei que ela fosse realmente uma pessoa com esse perfil de administradora, de gerente, que talvez fizesse bem ao Brasil naquele momento. Mas, depois, confesso que fui sendo surpreendido por medidas que ela tomava. Percebia que não havia um mínimo de planejamento. Medidas intervencionistas. A questão do sistema elétrico me deixou muito confuso.
Enfim, foi um erro de avaliação. Enquanto chefe da Casa Civil, ela estava bem. Mas para a Presidência da República ela realmente, no meu entender, não estava preparada.
Se tudo continuar do jeito que está –a reforma ministerial, dificuldade para aprovar a CPMF etc.–, quanto tempo o sr. acredita, no melhor do seu juízo…
90 dias
Para que se instaure algum processo na Câmara?
Para que alguma coisa aconteça, não necessariamente um processo na Câmara.
Esta entrevista está sendo gravada no dia 22 de setembro…
O PMDB tem sua convenção marcada para o dia 15 de novembro.
Essa é uma data relevante?
Muito relevante.
Se a conjuntura atual se mantiver, o desfecho vai ser algo que leve a um eventual afastamento [do PMDB]?
Sem dúvida. Eu não tenho dúvida. Eu não posso falar em nome do PMDB. Até peço desculpas aos companheiros do PMDB se estou me intrometendo numa seara que não é a minha. Mas estou aqui falando como um cidadão analisando o quadro. Acredito que, sem dúvida, o 15 de novembro irá marcar o afastamento do partido do governo da presidente Dilma Rousseff.
E uma vez o PMDB decidindo se afastar precipita-se o outro processo, que é o eventual afastamento da presidente?
Saindo da base de sustentação o principal partido aliado, isso é de extremíssima gravidade. A partir daí, não sei o que se dará.
O sr. há alguns anos se posicionou contrário à aprovação de alguns dispositivos do projeto de Lei de Acesso a Informação. A lei acabou sendo aprovada e está em vigor. O sr. acha que a lei tem sido positiva ou negativa?
Positiva.
Apesar de ter aqueles dispositivos com os quais o sr. não concordava?
Minha grande preocupação em relação à Lei de Acesso à Informação era com os segredos de Estado. Foi em razão disso que eu me posicionei. Porém, a lei foi aprovada e hoje eu dou a mão à palmatória. Os segredos foram mantidos, reservados, e [a lei] tem sido um instrumento de acesso a informações por parte da população de extrema valia para o melhor conhecimento da história do Brasil.
O sr. já foi à tribuna do Senado, negou envolvimento com a Lava Jato e criticou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O que aconteceu nesse caso? Tem algo que o sr. poderia acrescentar ou esclarecer?
Não. Nada a acrescentar além do que na minha defesa estarei apresentando.
O sr. mantém as críticas que fez ao procurador quando o sr. subiu à tribuna?
Será que nós vamos misturar a entrevista com essa questão do Janot? Eu preferia não fazer, não.