Por Emílio Duarte*
Ao término do período eleitoral, é natural que vários partidos, candidatos e até o parquet eleitoral se insurjam contra a proclamação dos eleitos. O momento atual ainda é o do calendário das AIJEs (Ação de Investigação Judicial Eleitoral), até as diplomações.
É comum o estoque das citadas ações, que, com o passar dos anos, se avolumam com todo tipo de teses. Com o aumento de uma boa e criativa safra de colegas eleitoralistas, surgem casos cada vez mais curiosos e, diga-se de passagem, teses muito bem articuladas e defendidas.
Cumpre-nos destacar que, nos meus mais de 30 anos de vida pública, tenho observado que quanto pior a derrota, mais ações são propostas. No caso, por exemplo, de uma vitória por apertada margem de votos, é natural a incitação para que o candidato do “quase que ganhou” intente questionar, junto à justiça eleitoral, a “pouca e inexpressiva” vitória do seu oponente, o chamado terceiro turno das eleições.
Como defensor implacável da democracia, tenho uma tendência quase automática de respeitar os resultados das urnas. Claro que, em nosso microssistema eleitoral, temos mecanismos para punir os excessos e as condutas que se prestem a macular e/ou comprometer a vontade popular. A mens legislatoris busca vergastar quaisquer abusos que os candidatos possam cometer; ora, mas é necessário que o abuso seja verificado em cada caso concreto, nas hipóteses trazidas aos autos, para que seja exercida a jurisdição eleitoral.
Recentemente, em um processo oriundo da Paraíba, em que se pretendia uma revisão do eleitorado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ao apreciar uma possível disparidade entre o número de habitantes do município de Baía da Traição e o número de eleitores ali alistados, mais uma vez reiterou a pacificação quanto ao tema, no sentido de entender que, aos olhos de um leigo, pode até parecer díspares. Contudo, para os operadores do direito eleitoral, tal condição é passível de existência no plano jurídico e que tais números jamais tenham sua origem em fraude.
Portanto, urge que sejam evidenciados os pontos que diferenciam o conceito do domicílio civil e o domicílio eleitoral, até para pôr fim a uma questão de fundo que tenta imputar conduta fraudulenta.
A ideia do domicílio civil encontra definição no Código Civil vigente, conforme estabelece o seu artigo 70: o domicílio é o lugar onde a pessoa fixa sua residência com ânimo definitivo ou onde exerce suas atividades habituais.
Sua fixação é de fundamental importância, pois tem o condão de identificar o local onde a pessoa pode ser encontrada para fins de direitos e obrigações da vida civil, como no caso de contratos, ações judiciais e demais responsabilidades legais.
Como está relacionado à esfera privada e às relações civis, a pessoa poderá ter múltiplos domicílios, dependendo de suas atividades, como por exemplo, o trabalho, os estudos, entre outras.
Já o domicílio eleitoral, que encontra sua fundamentação no artigo 42 do Código Eleitoral, é o local onde o cidadão está registrado para exercer o direito de voto, ou seja, o lugar em que se está alistado eleitoralmente. Para tal, a pessoa tem que possuir vínculo político, social ou econômico com a localidade. Diferentemente do domicílio civil, o domicílio eleitoral será único.
Ainda no processo supra (0600376-08.2023), da relatoria do Ministro Floriano Marques, ele ratificou, em seu voto vencedor, o entendimento no sentido da elasticidade do conceito do domicílio eleitoral. Vejamos a ementa na parte que interessa:
“…7. O conceito de domicílio eleitoral, previsto no parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral e no art. 23 da Res.-TSE 23.659, tem alcance amplo, englobando, além do local de residência ou moradia do eleitor, os locais com vínculo afetivo, familiar, profissional, social, entre outros que sejam suficientes para justificar a escolha daquela localidade.”
Ainda em seu voto, ele cita precedente da lavra do Min. Alexandre de Moraes, que se baseia na amplitude do conceito de domicílio eleitoral para desmistificar a conclusão de fraude no alistamento eleitoral apenas pela disparidade entre o número de habitantes e o número de eleitores em um município. Vejamos:
“…8. Tendo em vista a amplitude do conceito de domicílio eleitoral, a incongruência entre o quantitativo de eleitores e a base de dados do IBGE não conduz, por si só, à conclusão de fraude no alistamento (RvE 0600294-95, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 18.5.2021), o que afasta, no caso, a existência de situação excepcional a ensejar o procedimento revisional em ano eleitoral.”
Portanto, como visto, ainda que a diferença entre o vencedor e os derrotados nas urnas, pela vontade soberana do povo, seja pequena, como por exemplo, 14 votos, não temos como inferir que um aumento no alistamento eleitoral, que, como vimos, não é fraude, possa ter dado azo a tamanha vitória. Ademais, não se pode garantir que o novo eleitor votou ou votará em candidato ‘A’ ou ‘B’; ou seja, caberá à justiça eleitoral analisar tais condutas em cada caso concreto.
*Advogado eleitoralista
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