Por Bruno Soller
Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa
Se assumir de direita no Brasil, por um bom período de tempo, causava certo embaraço. O final do regime militar e a baixa popularidade do presidente João Figueiredo, embalada por uma forte crise econômica e inflacionária, com a ascensão de movimentos populares pela democracia, a volta da legalidade de partidos da esquerda, levantes grevistas e incerteza da própria sucessão militar, associaram diretamente a direita brasileira ao governo ditatorial. Enquanto a esquerda era derrotada no mundo, com a queda do muro de Berlim em sua cabeça, no Brasil, a direita era quem sofria esse revés, do ponto de vista ideológico.
Na primeira eleição pós redemocratização, houve um cardápio bem recheado de candidaturas. Entre os dez primeiros colocados, Lula, Brizola, Mario Covas e Roberto Freire somaram 47% dos votos e eram identificados diretamente com o campo da esquerda. Já, Collor, Maluf, Afif, Aureliano Chaves e Caiado fizeram os mesmos 47% e eram tidos como os representantes da direita. Todavia, é interessante perceber que os candidatos direitistas não faziam questão de assumi-la como propriedade e buscavam se desassociar de qualquer relação com o regime militar – em debate televisivo histórico, Brizola bradava a Maluf gritos de “filhote da ditadura”, justamente na busca de linkar o ex-governador paulista ao militarismo.
As posições radicais do PT e de Lula, à época, contrários a Constituição Federal, favoráveis a calotes internacionais, assustavam os brasileiros, que acabaram por eleger o ex-governador de Alagoas Fernando Collor de Mello, como presidente da República. Mesmo com um candidato do seu espectro eleito, a direita não se fortaleceu como corrente ideológica, já que ainda carregava essa pecha da ditadura. O posterior impeachment de Collor contribuiu por retardar ainda mais o crescimento dessa direita no debate político nacional.
Sem teto onde se abrigar, o eleitor identificado com as pautas da direita, ficou por vinte anos votando em um partido social democrata, o PSDB, por não ter uma liderança que conseguisse representar suas ideias. Escolheram Fernando Henrique, Alckmin, Serra e Aécio, sempre por encarnarem o contraditório ao lulismo e ao petismo. Eneas Carneiro, hoje reverenciado por parte desses eleitores, chegou a ensaiar ser esse líder, mas sua persona política extremamente caricata não permitiu maiores voos.
Após um ciclo de 14 anos de poder do PT, partido hegemônico da esquerda brasileira, que terminou de forma trágica com o impedimento de Dilma Rousseff, aprovada apenas por 10% da população, segundo pesquisa Ibope, encomendada pela CNI, nas prévias da votação pelo seu afastamento, a direita brasileira, enquanto linha ideológica e movimento representativo começou a se organizar. A candidatura de Jair Bolsonaro, encampando as bandeiras que esse eleitor sempre acreditou, mas não tinha guarida concreta em postulantes, fez com que uma porção adormecida da sociedade se identificasse e tivesse voz.
Dono da pauta do conservadorismo, Bolsonaro encontrou na figura de Paulo Guedes, chamado por ele de “Posto Ipiranga”, a entrada perfeita para fechar o cerco sobre essa nova direita que surgia. Guedes entregava ao eleitor a expectativa de uma economia mais liberal, com uma máquina mais enxuta e mais aberta ao mercado de forma geral. Um estado mais indutor e menos provedor. Defesas de pautas que o PSDB historicamente teve dificuldades em fazer, como as privatizações, viraram ponto de partida para gerar relação com esse público.
Essa junção do liberalismo econômico com o conservadorismo de costumes é o retrato mais exato dessa nova direita brasileira. Algumas particularidades como a utilização de símbolos nacionais, discursos patrióticos, de fé e de combate incessante à corrupção deram a liga para essa união de pensamentos. Em grupos qualitativos com eleitores dessa nova direita, a defesa do Brasil é o que envelopa a narrativa. Proteger a pátria é o objetivo final de toda a linha discursiva. A esquerda é, para eles, a responsável por enxovalhar o Brasil na corrupção e por quebrar valores morais, principalmente quando atingem as crianças, por meio da sexualidade.
Essa nova direita também se divide por classes sociais. Entre os mais ricos, a pauta econômica é a mais importante, enquanto para os eleitores de classe C, principalmente, o debate se dá mais nos costumes. Um fenômeno muito parecido com o que ocorre nos Estados Unidos, em torno dos republicanos. Cada qual com suas ameaças, mas com as mesmas características de encontrar um inimigo a ser derrotado e a defesa de um bem maior. Trump dizia querer fazer a América grande novamente e Bolsonaro defendia o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos.
Com a impossibilidade legal de Jair Bolsonaro, líder maior dessa corrente de pensamento, em se candidatar novamente nas próximas eleições, paira a dúvida sobre quem será o seu herdeiro político e a quem ele vai passar esse bastão eleitoral. Em comparação, olhando para o outro lado do polo, Lula, em 2018, quando foi preso e impedido de concorrer, fez de Haddad um postulante extremamente competitivo, que alcançou 46% dos votos. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, Romeu Zema, de Minas Gerais e a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, são apontados como esses possíveis sucessores, mas ainda há muito tempo para essa definição.
No Brasil, a direita que não tinha voz encontrou em Bolsonaro paternidade. No mundo, cada vez mais surgem líderes à direita, com discursos mais claros e posicionados, com alguma radicalização, mas criando uma grande rede internacional de pensamento. Seja no Vox espanhol, com Millei, na Argentina, os democratas suecos, o AfD alemão, Le Pen, na França, o fato é que há uma sinergia completa de visão de mundo, que ultrapassa barreiras locais. Por mais nacionalista que possa ser, essa nova direita, talvez, não tenha se dado conta que viraram uma sociedade global. Uniforme e com métodos bem definidos, disseminados por todo o planeta, hoje, fazem inveja a quem um dia sonhou com a Internacional Comunista.
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