Por Paulo Fernandes Pinto
Um tema que tem sido discutido com bastante frequência no Supremo Tribunal Federal é a aplicação da prescrição nos processos de controle a cargo dos Tribunais de Contas.
Em vários precedentes, o STF firmou jurisprudência no sentido de que devem ser aplicadas as regras da Lei Federal nº 9.783, de 1999, quanto à prescrição no âmbito dos processos de controle a cargo do TCU (entre outros: MS nº 32201, Primeira Turma, rel. Min. ROBERTO BARROSO, pub. no DJe de 7/8/2017; MS nº 35940, Primeira Turma, rel, Min. LUIZ FUX, pub. no DJe de 14/7/2020; MS nº 36054-AgR, Segunda Turma, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, pub. no DJe de 13/12/2021).
A citada Lei Federal nº 9.783, de 1999, estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, não se referindo expressamente aos processos de controle no âmbito do TCU. O STF, entretanto, com o nítido propósito de fazer valer o princípio da segurança jurídica, entendeu que seria impositiva sua aplicação no âmbito dos processos a cargo da Corte de Contas federal.
Posteriormente à pacificação do tema no STF, o TCU editou a Resolução nº 344, de 2022, para regulamentar, no âmbito dos processos de controle a seu cargo, a prescrição para o exercício das pretensões punitiva e de ressarcimento.
Uma questão que merece ser perquirida é se, a exemplo do legislador federal, as Cortes Legislativas estaduais podem disciplinar o instituto da prescrição no tocante à atuação de suas respectivas Cortes de Contas.
O STF já teve a oportunidade de responder à indagação acima feita quando do julgamento da ADI nº 5384/MG, na qual afastou a alegação de que o Poder Legislativo de Minas Gerais, ao disciplinar o instituto da prescrição no âmbito do processo de controle estadual, teria violado a iniciativa privativa da Corte de Contas mineira para instaurar o processo legislativo com vistas a alterar sua organização e funcionamento.
Apesar de o STF ter jurisprudência pacífica quanto à existência de iniciativa reservada às Cortes de Contas para instaurar o processo legislativo para alterar sua organização e funcionamento (entre outros, os seguintes precedentes do Plenário do STF: ADI nº 4421-MC, rel. Min. DIAS TOFFOLI, pub. no DJe de 23/2/2011 e ADI nº 4643-MC, rel. Min. LUIZ FUX, pub. no DJe de 28/11/2014), considerou no julgamento do supramencionado processo que
“a disciplina normativa prevista nas normas impugnadas, ao instituir regramento relativo à aplicação da prescrição e da decadência no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, de modo algum implicou vulneração da autonomia ou autogoverno deste último, não se podendo falar em alteração de sua organização ou funcionamento”.
mportante consignar, ainda, que na ADI nº 5384/MG o STF também afastou a alegação de que o legislador estadual estaria circunscrito ao estabelecido no modelo federal quanto ao tema da prescrição, ou seja, ao quanto estabelecido na supracitada Lei Federal nº 9.783, de 1999, asseverando que “o mero estabelecimento de regras a disciplinar o instituto da prescrição e da decadência no âmbito do Tribunal de Contas estadual não implica afronta ao princípio da simetria” (o Requerente alegava que o art. 75 da Constituição Federal exigiria paridade no que se refere às competências e ao modelo de fiscalização, razão pela qual os Estados seriam obrigados a seguir compulsoriamente o modelo federal estabelecido para a prescrição no âmbito do TCU).
As premissas adotadas na prefalada ADI nº 5384/MG foram reafirmadas pelo STF no julgamento da ADI nº 5259/SC, na qual foi declarada a constitucionalidade de norma editada pela Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina para estabelecer prazo prescricional no tocante à atuação do respectivo Tribunal de Contas.
De suma relevância destacar o seguinte trecho do voto do Ministro Alexandre de Moraes: “Na realidade, ao instituir tal disciplina em âmbito local, as legislações estaduais estarão indo ao encontro do texto constitucional, o qual, como mencionado acima, impõe o estabelecimento de prazos prescricionais e decadenciais, em razão i) do próprio arcabouço valorativo dele decorrente — a segurança jurídica, a dignidade da pessoa humana, os princípios democrático e republicano etc. —, e ii) da própria excepcionalidade das regras que preveem a imprescritibilidade”.
Fica evidente, portanto, que, além de ser absolutamente legítima, a atuação das Assembleias Legislativas dos Estados da Federação quanto à disciplina do tema da prescrição no âmbito dos processos de controle de contas públicas é de extrema relevância, vez que, como destacado pelo Ministro Alexandre de Moraes, necessária é a conformação da relevantíssima atuação estatal das Cortes de Contas à segurança jurídica, à dignidade da pessoa humana, ao princípio democrático e ao princípio republicano.
*É Procurador da Alepe e advogado especialista em Direito Público e Eleitoral.
Deixe um comentário